quarta-feira, 18 de março de 2015

Dona Ciça do Barro Cru

Início dos anos 70 e cruzaria o Rio São Francisco pela primeira vez indo viver um tempo em Salvador. O coração, no entanto, permaneceria no Cariri, onde deixara amigos e sonhos. Vez em quando vinha de volta; férias ligeiras. Atualizava as descobertas e percorria os pontos de toque na ânsia que juntava saudades e novas amizades. 

Presenciaria, nessas vindas, o seguimento intenso daquilo que deixáramos no campo de arte e cultura bem característico da geração de 1968 no Crato. Conheceria de perto Rosemberg Cariry, Jefferson Junior, Jackson Bola Bantim, Geraldo Urano, Luíz Carlos Salatiel, Carlos Rafael, Múcio Duarte, Ivan Alencar, Meirinha Germano, Lídia Batista, Pachelly, Alberto e Abidoral Jamacaru, Magérbio Lucena, Deca (José) e Márcia Figueiredo, Célia Teles, e outros mais, que formavam o Grupo de Artes Por Exemplo e realizaram, no transcorrer daquele período, os Salões de Outubro, dentre outras marcantes atividades, revelações que abrangeriam festivais da canção, filmes, fotografia, pintura, desenho, xilogravura, escultura, teatro, jornais, livros, sob o prisma de vitalidade poucas vezes consignada, evidenciando proposta de liberdade, criatividade e contestação dos valores burgueses ainda vigentes na sociedade nordestina dos interiores.

Nessa fase buscava acompanhar as pesquisas do grupo. Sempre achava novidades, sobretudo com relação à cultura popular. Através dessas viagens, tomaria ciência de valores quais Ciça Louceira, Dona Ciça do Barro Cru, Zé Ferreira, Nino; chegaria mais próximo de Stênio Diniz, Mestre Noza, Patativa do Assaré, todos eles expoentes valorosos do patrimônio cultural caririense. 

Isso serviria sobremodo para aumentar o meu gosto pelo nosso povo e querer regressar, o que ocorreria já em 1977, quando, inclusive, ao lado de Luiz Karimai, Gilberto Morimitsu, Isabelisa Cordeiro e alguns daqueles artistas antes citados, realizaríamos Salões de Outubro, naquele ano e no ano seguinte, 1978.

Dentre os destaques que mais prezo daquelas lembranças, que trabalhava e trazia para vender suas produções nas feiras de Crato e Juazeiro do Norte, Dona Ciça do Barro Cru marca de modo indelével sua presença, dada a integração que mantinha com os seus bonecos de barro tão carinhosamente confeccionados, estatuinhas que algumas vezes levaria comigo para presentear os amigos da Bahia. Eram personagens quase vivos do imaginário popular, que, ao lado da artesã de características próprias e inconfundíveis, preenchiam o espaço nos dias mágicos da nossa geração eficiente. 

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