sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Horas a fio




Escrever impõe afazeres inadiáveis. Qual compromisso consigo, vemo-nos face a face com as lembranças incessantes. Rendemo-nos incondicionalmente às determinações daquilo que se quer dizer e vem à tona. Essa a matéria-prima avassaladora que podemos denominar emoções acumuladas nasce da fome de contar que regressa de uma hora a outra e oferece as condições de um pacto de harmonia no relento das horas. Assim, tudo que temos vem a ser o que ora somos. De poder demandar os instintos da insatisfação e querer a qualquer jeito conciliar nossas angústias e os traumas que fervilham na alma impaciente.

A gente qual que passeia através dos corredores da consciência; refaz pedaços quebrados; e reúne motivos de conciliação dos conflitos escondidos que têm vida lá dentro.

Nisso, espécie de outra vida que não seja a que sejamos agora vem a lume. Vagueia pelas margens desse rio imenso das existências onde habitamos ainda sem a devida compreensão de todos seus detalhes. Padecemos dos tantos sustos que vivemos na ânsia de fugir de nossas sombras. Julgamos e condenamos nosso ser por vezes impiedosamente. Cercamo-nos de apreensões, no entanto longe do que seria uma verdade absoluta a permitir o juízo mais sincero, afastado que fosse da culpa insistente. Recolhemos, pois, tais vivências lá de antigamente, pondo-as na balança do instante e degustamos os sabores que trouxemos até aqui.

Isso tudo numa correnteza inesgotável que lava nossos pés e alimenta nossos afetos desde sempre. As palavras, a seu turno, cuidam do andamento dos dias e olham-nos em volta à busca de tranquilizar as jornadas largadas ao vento.

Tal nos sonhos, quando acordados apenas alguns deles permanecem inteiros na memória. O tempo transcorre à nossa volta silenciosamente. Saber, contudo, que estabelece valores imortais. Deixa marcas profundas na história pessoal e larga sinais de permanência eterna daquilo que guardamos no ser e que transportamos, e que o somos. Cicatrizes. Tatuagens. Acordes. Daí, juntamos o que resta nas mãos da presença e adormecemos neste vale da imensidão que habita acesa os currais do sentimento.

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