Qual quem puxa um fio de largo alcance dos tecidos trançados, venho desfiando pouco a pouco as milhares de histórias que vivi junto de minha família numa fase em que morávamos num casarão em Crato. Ficava no Bairro Pinto Madeira, Rua Padre Ibiapina esquina com Vicente Tavares Bezerra. Isto lá nos inícios do bairro e nos anos 50 e 60. Formávamos espécie de coletividade afetiva com os moradores daquela área afastada do perímetro urbano. Conhecíamos a todos. Brincávamos, conversávamos nas calçadas, nas noites ainda escuras, antes de chegar a energia de Paulo Afonso. Em volta da casa existiam nove pés de manga que davam sombra agradável o ano todo e o motivo de nos reunir com frequência em todos deles. Os meninos jogavam bola, pião, triângulo, brincavam de bicheira, cowboy e esconde-esconde nos toros de cedro que seriam utilizados na serraria ali do lado. Já adolescentes, íamos e víamos ao centro da cidade, em longas conversas e amizade regular.
Enquanto isto, no âmbito da casa tipo bangalô formado por
dois pavimentos bem edificados em cimento armado, vivíamos as nossas histórias
pessoais e familiares. São muitos momentos ora engendrados pela na memória. Acesas
marcas indeléveis de horas sucessivas. Um a um, dariam longos registros de
ocasiões às vezes dolorosas, traumáticas, críticas; outras, de realização
pessoal, esforços comuns de superação, sonhos, inícios de jornadas. Quantas
experiências dadas ao léu da sorte naquele princípio do que agora sou e me
trabalho a fim de conhecer mais de perto a realidade, tudo aquilo aos impulsos
e cheios de sabores inesperados. Éramos meus pais, cinco filhos, duas
servidoras vindas do Tatu, fazendo do meu avô, em Lavras da Mangabeira, e,
ocasionalmente, em tempos variados, um sobrinho de meu pai e irmãos de minha mãe.
Fora, aquele lugar, uma escola aberta, onde aprendi o pouco
que hoje sei e conheci de perto os primeiros passos de religião, literatura,
música, cinema, trabalho, sexualidade, vocação, através das presenças constantes
de tantos ali instalados na mesma busca de formar a compreensão das próprias personalidades.
Quando revejo aqueles instantes e suas nuances, algo remexe
dentro de mim no jeito de revelar o esmero de aprimoramento que temos conosco durante
as inúmeras oportunidades concretas de viver. Ao examinar esse conteúdo latente
e tão rico, na consciência, também avalio a importância de saber aproveitar ao
máximo as lembranças guardadas e interpretá-las no melhor objetivo das minhas atuais
escolhas.
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