Fez-se no ar apito estridente do locomove ao término da jornada, liberava no eito a turma dos cortadores de cana, enquanto os ouvintes estiravam na distância o sentimento para buscar a vegetação do outro lado da represa o voo suave das garças silenciosas, salpicando de brancas reticências o azul metálico da tarde em declínio, por cima de troncos calcinados das carnaubeiras; palmas tremeluzentes e ruidosas. O vento, por seu turno, escamava as ondas e distorcia a imagem das nuvens no leito do açude velho.
Palavras e aves do entardecer raspavam de leve os chapéus de palha dos caboclos, retorcidos pelo sol e manchados de suor, noturna sensação de abismo que entorpeceu os ânimos, alguns a esfregar os olhos no canto dos dedos, qual querendo despertar de sono pesado e guardar com esforço o que ouviam.
Lourenço pôs-se de pé; catou as cordas dos burros e bateu-lhes nas ancas, tangendo-os ladeira abaixo na direção do reservatório. Meio caladão, tinha desses instantes de ficar sem saber explicar direito o porquê de se chegar naqueles assuntos graves, novidades antigas do interesse de quase ninguém e necessidade eterna dos mortos e vivos. Saber para onde se vai depois, quando acabar isso daqui.
O focinho dos animais, na calma das águas, ia desenhando movimento de ondas sucessivas, chamando a atenção do viajante para o sentido que tomavam, indo quebrar nas margens de pedra e argila ou se faziam mais extensas e rumavam para longe, no leito das águas profundas, oscilando a babugem esverdeada e as moitas de mofumbo adiantadas no lodo, quebrando o repouso das rachanãs e galinhas-d’água.
- ... Muitas oportunidades individuais - repetiu baixinho as derradeiras palavras de há pouco, querendo gravar, qual saíssem de uma outra boca que não a sua.
Nenhum comentário:
Postar um comentário