Naquela manhã, os dois vieram bebe nas águas limpas de riacho cristalino que descia as encostas verdes da mata. Acima, na correnteza, um lobo faminto. Mais embaixo, o cordeiro solitário. Diante daquele encontro inesperado, enxergando água e alimento na mesma ocasião, o lobo resolve estabelecer conversação no mínimo ameaçadora para um cordeiro desgarrado de seu rebanho:
- Sim, senhor, amigo cordeiro. Veja só, eu bebendo água baldeada porque, além de gastar desse riacho, vossa excelência ainda enfia as patas desajeitadas pelas bordas e enlameia de barro a água que sobrará aos outros animais.
Desconfiado e antevendo risco próximo, o que lhe deixou bastante apreensivo, contudo coberto de razão, o cordeiro trata de argumentar:
- Como assim, seu lobo? Pois é daí que o riacho corre, e não daqui, pode ver. O senhor está do lado de cima, companheiro. E nem molhar os pés na água que bebe eu molhei.
- Se não foi hoje, foi ontem. Na semana passada. Quero é ter justificativa dos meus atos e pronto – refutou o lobo indócil.
Claro que o lobo sabia das reais circunstâncias, porém precisava impor qualquer motivo de brutalidade na cata do apreciado almoço daquele dia. Nisso, apelou a outras invenções:
- Soube, no entanto, que, ano passado, o senhor, seu cordeiro, andou falando mal de mim pelas quebradas da floresta. Vários bichos trouxeram a desagradável notícia.
- Aconteceu não, seu lobo. Nascei foi este ano, sou novo de vida. Deve ter sido algum outro, não eu – nervoso o cordeiro respondeu.
- Ah, então foi isso... Acho que seu pai, um irmão seu, pessoa da família que enlameou minha história. Que quem disse só fala a verdade.
De jeito arrogante, o lobo partiria em cima do cordeiro, e o resto da fábula todos conhecem, retratando o predomínio truculento do forte sobre o fraco, ação injusta dos tempos difíceis, quando inexistiam os direitos universais nas matas virgens, lá onde prevalecia a razão da força invés da força da razão.
(Foto: Jackson Bola Bantim).
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