Para manter a ordem da casa, era ela que lutava as pelejas de apurar dinheiros escassos e remediar os negócios, bordando, cortando cabelo, arrumando e faxinando residências, criando um bicho aqui, fazendo um bolo ali, um salgado acolá; forçando os filhos a sair vendendo aonde pudessem, contudo que nunca lhes faltasse o sustento. Pessoa de fibra só o tanto, dessas que existem aos milhares pela vida afora, de preservar o corpo da prole unido, chovesse, fizesse sol.
No entanto, como doíam a todos as incertas voltas do pai, cada noite. Por vezes, chegava mais cedo, mais tontos que acontecessem os porres, entrava aos tombos, revirava a cozinha à procura do jantar; sentava no chão, forrava o bucho, bebia água e caía na cama feito pedra, até amanhecer o outro dia. Isso quando não teimava com a mulher, lhe dando empurrões, quebrando alguns dos raros trastes da morada e terminando o roteiro da cozinha para o quarto da choça precária.
Outras ocasiões, avançado nas horas silenciosas, derrubava a cadeira que escorava a porta da frente, sacolejava no escuro a rede dos meninos adormecidos no meio da sala, nisso chegando ao fogão para pegar o prato, comer e dormir abandonado pelos cantos.
Dessa vez, trombudo, rumou à cozinha, caçou o alimento e avistou coisa parecida em cima do armário. De tão bêbado, achou ser aquele o prato a ele reservado. Sentou, comeu, ainda que notasse ruim de comer, fermentado, mas comeu... Reclamou por dentro, vez que houvesse o que houvesse, jamais deixava de passar bem nos cuidados da esposa. Reservou os protestos ao dia seguinte:
- E que comida esquisita foi aquela sopa que tu deixou pra mim ontem de noite, Maria? – logo cedo, indagou agressivo, olhos injetados e boca gosmenta seca da ressaca.
- Sopa? Que sopa, Zé?! A janta não nem foi sopa! – retrucou, pesarosa, a esposa.
- Sopa, sim. E cheia dumas misturas meio azedas, meio adocicadas, tipo gororoba.
Intrigada com aquilo, a mulher se dirigiu à cozinha e abriu o forno, achando intacto o prato que, de noite, deixara para o marido. Olhou em volta e se lembrou da lavagem do porquinho que, há meses, vinha cevando no quintal, a fim de vender pelo final do ano e auxiliar nas despesas dos meninos durante o término da escola.
- Mas, Zé, tu comeu foi a lavagem do bacorim, homê! Precisa disso? Cria mais juízo, home, e procura melhorar as coisas dentro dessa casa.
O acontecido mexeu na consciência do marido e, de vergonha, desde aquela data nunca mais quis saber de botar um gole de bebida alcoólica na boca, livre do costume ingrato com a força da vontade, decisão e personalidade que causaria espanto dos velhos camaradas de ócio.
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