terça-feira, 13 de agosto de 2013

O leito de Procusto

Em cada texto, busco mostrar surpresas quanto ao esperado, ou pouco esperado, somando elementos do conto na crônica, ou da crônica no conto. Tanto é que não sei dizer bem qual gênero literário adoto, se isto ou aquilo (conto ou crônica), ou se os dois juntos, ou apenas gestos reunidos de falas de quem conta no que passar aos outros, enchendo papel, decerto. Uma busca de dizer o que, não sei, recontar coisas ouvidas, vividas, afã de registrar momentos que somem e  deixem ecos grudados nas paredes do pensamento.

Sob tais considerações, quero falar em Danastes, estalajadeiro de Elêusis, da mitologia grega, apelidado Procusto – o que significa o esticador.

Modelo torto de justiceiro do mundo antigo, nas terras em que viveu habitavam anões e gigantes, daí Procusto resolveu consertar as diferentes estaturas dos seus hóspedes a um modo esquisito e cruel.

Na intenção de padronizar a estatura das pessoas, construiu cama na altura dele próprio, de tamanho médio. Quem chegasse no seu estabelecimento, nela deveria dormir. Caso não coubesse na medida prevista, por ser de estatura superior, teria cortadas as pernas. Na alternativa inversa, de ser pequeno, ver-se-ia esticado até o tamanho do leito de Procusto.

Assim, pois, os viajantes desavisados passavam pela experiência horrível de adaptação física, submetidos ao instrumento construído pelo maníaco dono da estalagem, na lenda grega.

Semelhante prática guarda equivalência com o estilo de uma suposta justiça, praticada sobretudo nos regimes totalitários, ou através das ideologias fundamentalistas, religiosas ou políticas, espalhadas no decorrer da História.

Procusto exercitava, a jeito doentio, tipo de nivelamento social equivocado, com isso aplicando justiça particular, coagindo, no tempo e no espaço, a natureza das coisas. Porém suas façanhas mereceram resposta exemplar de Teseu, o famoso herói do Labirinto, que veio de submetê-lo a castigo equivalente, proporcional ao que praticara, transformado que foi de juiz em réu, para sua perdição.

Esse mito sugere algumas reflexões quanto ao cotidiano social dos que agem apenas movidos por questionamentos individuais, no arrepio do pleno direito das gentes ao contraditório, o que permite a ouvida de ambos os lados das versões de cada situação. 

De acordo com a mitologia, Procusto usava um mesmo leito para colocar deitadas suas vítimas, cortando ou espichando seus corpos conforme fossem maiores ou menores, em face da medida aleatória a elas imposta, homogeneizando-as à força de enquadramento pecaminoso e radical.

Quantos de nós querem sujeitar os semelhantes nas dimensões acanhadas de particulares medidas, a fim de prevenir concorrências e achatar diferenças inevitáveis, causa primeira de tanta beleza, no subsolo das almas deste mundo?! Procustos de plantão, por isso deseja-se para tudo uma convenção humilhante, invés dos valores infinitos da completa verdade.

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