quarta-feira, 31 de julho de 2013

O barraco apertado

A luz dos relâmpagos que entrava pelas frestas da taipa clareou-lhe também o juízo. Manhãzinha cedo e buscaria o velho cigano na procura de conselho. Há muito tempo deixara de visitá-lo, achando que sofrimento afeiçoa o espírito, vem e volta com o sol de cada dia, aprimorando sem precisão de viver ocupando a vida alheia. Mas o cigano gostava de companhia. Bom de conversa, melhor de conselho. Cedo, pois, retornaria ao homem solitário da Várzea Grande.

Família numerosa, sertão de sustento difícil e, depois de tudo, o mais pesaroso que achava, dormiam naquela choça pequena, de quarto e cozinha, uns, no barro, outros, nas redes puídas que restavam; menino novo; o escuro das noites; e as goteiras friorentas por cima, na época de chuvas. Preocupação, nada resolve. Ação, sim.

Agiu. Logo cedo antes de cair no eito, se arrancou, achou o homem esfregando os olhos enquanto curiava a fervura da água do café, acocorado no chão da cozinha. Voz escorrida, o semblante sereno de quem gastou as reservas de pressa e renunciava de juntar coisas perdidas desse mundo. Cumpridas as formalidades, largou num canto as raízes de macaxeira que trouxera de agrado, e desfiou o rosário das amarguras.

O cigano, obsequioso, calado, ouviu toda a história, que para ele nada de novo acrescentava ao passado, calejado nos cortes da experiência. Sob o recolhimento voluntário, tomava a capricho auxiliar as pessoas. Sabia da força que a palavra possui. Clareia estradas, refaz percursos. Pelo tom que escutava julgou o tamanho da dificuldade.

- Pode conseguir uma vaca de bezerro novo? - quis saber o ancião. Ante o aceno positivo, prosseguiu: - Eis aí o jeito. Bote ele dois para dormir no meio da sua família e só volte depois que passados quinze dias.

Decerto sucedeu o esperado. Problema cresceu de volume no mocó já humilde. A dormida antes sofrida se tornou insuportável sob todos os aspectos acrescentados. Porém o pai manteve o trato. No fim dos quinze dias, regressou ainda mais esgotado que da vez primeira, disso não duvidava quando pisou de volta o terreiro do amigo para buscar ajustar conformação.

- Pois agora, meu filho, retire a vaca e o bezerro e sinta o gosto do paraíso em que vocês antes viviam - completou o cigano, assim inteirando a lição.


Só desse modo o homem compreendeu aquilo de se dizer que desgraça pouca é bobagem e dos males o menor. Por vezes, diante das penúrias indescritíveis, o sofrimento se dilui na impossibilidade para sofrer um tanto mais e chega no limite da resistência, igual à bonança que vem no depois das tempestades.

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