A luz dos relâmpagos que entrava pelas frestas da taipa clareou-lhe
também o juízo. Manhãzinha cedo e buscaria o velho cigano na procura de
conselho. Há muito tempo deixara de visitá-lo, achando que sofrimento afeiçoa o
espírito, vem e volta com o sol de cada dia, aprimorando sem precisão de viver
ocupando a vida alheia. Mas o cigano gostava de companhia. Bom de conversa,
melhor de conselho. Cedo, pois, retornaria ao homem solitário da Várzea Grande.
Família numerosa, sertão de sustento difícil e, depois de tudo, o mais
pesaroso que achava, dormiam naquela choça pequena, de quarto e cozinha, uns,
no barro, outros, nas redes puídas que restavam; menino novo; o escuro das
noites; e as goteiras friorentas por cima, na época de chuvas. Preocupação,
nada resolve. Ação, sim.
Agiu. Logo cedo antes de cair no eito, se arrancou, achou o homem esfregando
os olhos enquanto curiava a fervura da água do café, acocorado no chão da
cozinha. Voz escorrida, o semblante sereno de quem gastou as reservas de pressa
e renunciava de juntar coisas perdidas desse mundo. Cumpridas as formalidades,
largou num canto as raízes de macaxeira que trouxera de agrado, e desfiou o
rosário das amarguras.
O cigano, obsequioso, calado, ouviu toda a história, que para ele nada
de novo acrescentava ao passado, calejado nos cortes da experiência. Sob o
recolhimento voluntário, tomava a capricho auxiliar as pessoas. Sabia da força
que a palavra possui. Clareia estradas, refaz percursos. Pelo tom que escutava julgou
o tamanho da dificuldade.
- Pode conseguir uma vaca de bezerro novo? - quis saber o ancião. Ante
o aceno positivo, prosseguiu: - Eis aí o jeito. Bote ele dois para dormir no
meio da sua família e só volte depois que passados quinze dias.
Decerto sucedeu o esperado. Problema cresceu de volume no mocó já
humilde. A dormida antes sofrida se tornou insuportável sob todos os aspectos
acrescentados. Porém o pai manteve o trato. No fim dos quinze dias, regressou ainda
mais esgotado que da vez primeira, disso não duvidava quando pisou de volta o
terreiro do amigo para buscar ajustar conformação.
- Pois agora, meu filho, retire a vaca e o bezerro e sinta o gosto do
paraíso em que vocês antes viviam - completou o cigano, assim inteirando a
lição.
Só desse modo o homem compreendeu aquilo de se dizer que desgraça
pouca é bobagem e dos males o menor. Por vezes, diante das penúrias
indescritíveis, o sofrimento se dilui na impossibilidade para sofrer um tanto
mais e chega no limite da resistência, igual à bonança que vem no depois das
tempestades.
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