terça-feira, 16 de julho de 2013

Delitos de audição

No ano de 1969, chegavam os primeiros sinais de televisão ao Cariri, e um pai de família alegava, em alto e bom tom, que não queria televisores em sua residência porque nela só entrava quem ele permitia, expressando assim o motivo que lhe levava a prevenir que recebesse na sua sala intrusos trazidos pela programação televisiva.

Naquele tempo, fase mais tímida do ponto de vista dos quilos tecnológicos de equipamentos de som desenvolvidos nos turnos posteriores, havia menos facilidade para que clandestinos invadissem as intimidades com os esturros tribais dagora.

A paz auditiva de hoje virou gênero de primeira necessidade e raro de obter, máxime as legislações estabelecidas e pouco respeitadas.
Armas perigosas, possantes caixas de som dominam os ares, sob os olhos das autoridades responsáveis pelo assunto, sobretudo movidas a interesses comerciais e doses etílicas eufóricas vaidosas dos fins de semana. Para onde a pessoa se vira, o bicho corrosivo espreita, nas artérias centrais das cidades, nos parques de diversão, terreiros das bodegas, mercearias e bares, permitidos ou não. Carrões dispõem das traseiras cheias de maiores capacitores lesivos, por transportar os elementos do delito com inteira permissão financeira. Invadem lares pelas frestas de portas e janelas, pelas telhas, basculantes, combogós, narizes, bocas e poros, quais insetos cruéis da civilização desses bárbaros modernos agressivos.

Espécie de infecção promulgada nos costumes tortos, isso representa vibriões do tipo psicológico de tortura. Poucos escapam, nas bolas de mato que ainda restam das florestas destruídas. Neurose informe comprime dedos eletrônicos sobre gargantas, cabreiras, impotentes, de um mundo zoadento, em forma de epidemia atual. Existissem apenas os altos brados dessa poluição estrondosa, inconveniente, algo sobraria para agradecer aos céus.

No entanto, de quebra, vai junto outro fator, a estridente má qualidade das peças que transmite a deslavada sem-cerimônia. Talvez por conta disso, ou a título disso, o projeto da música brasileira desapareceu num abrir e fechar de olhos. Até dizer que o que se grava na mídia merece o nome de música deixa a deseja quanto aos valores estéticos e morais.

No auge do desrespeito impune, circula, entre outras violências contemporâneas, um cidadão médio refém da acomodação a que se rendeu e dorme sobressaltado, para sonhar na praça da aldeia das festas interioranas, época quando avaliava poder determinar que lhe chegasse à sala de visita tão só quem permitisse, do alto de sua ingênua cordialidade, desfeita na força da Era Industrial.


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