domingo, 7 de abril de 2013

De carona com o destino


... Você foi o caso mais antigo, o amor mais amigo que eu já vivi - do rádio fanhoso, na mercearia a lado da pista, escutava Roberto Carlos descrever seus mesmos sentimentos. Fim de tarde de domingo mormacento, quando retornava de sesta feliz junto da namorada. Pousava de bom moço, contudo a história muitos sabiam.

Comerciário, homem casado, pai de filhos, dois menores e dois maiores, inclusive a esposa conhecia detalhes do romance rural que lhe aparecera a sacolejar as monotonias do cotidiano.

Dizem existir as coisas de fatalidade, quando acontecem amores, acidentes, fortunas, surpresas. Deva preferências às agradáveis, em que enquadrara a doce namorada, moça bonita, carinhosa, de amofinar coração desencantado.

Nisso de pensamentos sonhados deslizava na brisa morna do anoitecer, aguardando transporte defronte da estrada que o levaria de volta ao lar oficial. A clandestinidade às vezes lhe desconfortava o juízo, porquanto não esquecia a esposa nos devaneios. Persistia dúvida atroz... Dividir as afeições na cama parecia lenda feia... Traição? Remorso. E os filhos... A namorada, no entanto, já esperava o primeiro... Lá por no meio remexia algo semelhante a cólica, porém a altura do peito mostrava só dor esquisita.

Nisso de pensar, um carro parou ali próximo. Ia no itinerário. Pediu carona quando o dono voltava da bodega apertando na boca resto de uma laranja azeda.

E desceram ladeira a baixo, rumo da cidade. O homem calado iniciou apertando o pé no acelerado do veículo bem usado, zoadento e oscilante no vento.

Pouco a pouco cresceram na velocidade. Aquele carro não lhe parecera próprio para correr assim. As aparências enganam, pensou. A mata passava ligeira, mais ligeira... Olhou desconfiado o motorista. Bota estranho naquilo. Figura agora sinistra, olhos fundos, vermelhos... Cabelo desgrenhado. Riso fixo nos lábios repuxados, o que depois virou uma gargalha sardônica, zombeteira. Indiferente, imprimia ao fusca idoso seu gozo sinistro. Cento e poucos quilômetros, cento e vinte, talvez.

Para resumir, fechava as curvas cantando pneus e jogando terra na coxia, enquanto o motor resfolegava; só saltar fora da carcaça. Cinto que é bom, nada, apenas a máquina perigosa passava fervendo nas cerâmicas do Monte Alegre e segua o sentido das curvas da Batateira.

No percurso, lhe confortava todo o tempo o Salmo 23 que pusera na linha da imaginação (pois bom cabrito não berra). Acalma de verdade, desacalmou, istou sím, embaixo, no barranco, pois forçava a porta querendo escapar andando da lataria retorcida e fumegante do velho automóvel virado. Na testa, escorria sangue a encobrir os olhos ardidos. Chegou em casa a pé. Recordava as letras dos filmes que diziam qualquer semelhança com personagens reais é mera coincidência.

Caso o homem durasse longo tempo depois do acidente, ouviria na intuição que de uma escapa cem anos vive. Na hora do acidente, apenas deu as costas e deixou atrás a poeira da barra das calças escuras. Reclamava do sem jeito da boa sorte, a subir da ribanceira.

3 comentários:

  1. Avenida das palavras pareciam ,"Desenredo"Guimarães Rosa, frases paralelo, a história é outrao brilhantismo o mesmo.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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