Elas duas moravam às margens dos trilhos abandonados de antiga ferrovia
que cruzava os arrabaldes esquecidos, naquele bairro distante, cheio de sobras
de lixo e sacos voadores de abandonados ao vento, ou presos no arame das cercas
divisórias, entre garranchos das vielas sem calçamento, com água estagnada
minando poças nos buracos das trilhas, diversão nua das crianças de bundinhas e
buchinhos rajados, bem ao molde dos lugares prediletos de político nas vésperas
eleitorais, prato típico da soberba municipal.
Comadres que se respeitem acompanham vidas conjugais, medicamentosas,
culinárias, umas da outras, os destemperos dos maridos, festas, viagens,
apurados, esperanças, visitas, farras, jogos, o escambau a quatro, afinal. Quintais
e cercas de faxina tudo deixam passar fácil, costelas abertas aos dós de peito
e fumaça dos fogões de lenha, mais apagados que acesos, semanas iguais no pouco
e no raro dos pirões amarelados.
Bom, seguindo viagem, diria que as duas vizinhas mantinham no quintal
seus inevitáveis chiqueiros de galinha. Belo dia, desapareceu gorda pedrês de
uma delas, prejuízo de abalar o patrimônio já humilde da família. E toca a
comadre a procura em todos os recantos.
Horas e dias, e nada... Raposa não andava no trecho. Ladrão pouco
atentaria de catar migalha nas botas furadas do recanto. No outro lado da
casinhola, só abandono e terreno ermo, vazio...
Restou logo quem, na caixa das desconfianças; a querida amiga de tantas
batalhas, que agora resolveria desfeitear e lhe roubar a galinha. Ontem de
noite, escutara ruídos esquisitos, parecido coisa de refeição fora de hora, nos
quartos pegados da casa vizinha...
E parou receosa, olho na rua, imaginando achar jeito de solucionar a
história do sumiço da ave. Aproximava-se a comadre botando água, pescoço
molhado, de rodilha e lata na cabeça. A outra, curvada sobre o batente da
janela, pensava:
Ela vem do jeitinho de quem roubou minha galinha. Passo pequeno,
balanço dos quadris, vexada... Escrito quem rouba galinha.
- Bom dia, comadre! – exclamou. (Com a voz de quem comeu minha
galinha - pensou).
- Bom dia, comadre – respondeu.
Surpresa sua, horas depois, inesperada, assanhada, barrenta, a galinha
retornou ao quintal, ciscando, faceira, os mesmos monturos, causando naquilo
forte agrado à dona, que, feliz, longe repercutiu a notícia: - Achei a penosa
fujona!
Reconfortada e calma, quase perto do almoço, de novo recostou-se à
janela e olhava na rua por onde descia a comadre, ainda enchendo os potes nos
caminhos d’água. Feliz de si para consigo, admirada, reconheceu:
Veja isso, do jeitinho de quem não roubou minha galinha. Passo pequeno,
balanço dos quadris, vexada... Escrito de quem não rouba galinha.
- Comadre, dia bom!
Voz de quem não comeu minha galinha...
- Bom dia, comadre.
Céu limpo, brisa refrescante, belo dia! – a outra retribuiu.
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