Meu avô Amâncio,
pai de meu pai, tomou parte nas lutas da derrubada de Antônio Pinto Nogueira
Accioly, no Ceará dos inícios do século XX. Quando em vez, relembro as
histórias que me contava sobre o episódio.
Era ainda
rapaz na ocasião e se unira à população de Fortaleza para depor o ditador
mantido sob o peso de nefastas influências. Ações rebeldes dos fortalezenses ganharam corpo depois das atitudes
repressoras que vitimaram pessoas ordeiras da sociedade, por ocasião de uma
passeata de repúdio àquele poder, promovida em 29 de dezembro de 1911, no
centro da Capital, na Praça do Ferreira, ferindo militares e civis.
O desenrolar dos confrontos reduziu a área de
predomínio do Governo e levou-o a se isolar no Palácio das proximidades do
Passeio Público, onde, com seus familiares e a guarnição policial, ainda resistiu
durante alguns dias, culminando com a rendição do dia 24 de janeiro de 1912.
Nesse período, cedo da madrugada, os
revoltosos seguiam ao front, portando rifles, fuzis, clavinotes e
munição, para se instalar nos sobrados de que avistavam o refúgio do caudilho.
Os soldados, por sua vez, entrincheirados detrás de sacos de areia e no alto do
edifício palaciano, respondiam aos disparos, ambos os lados na espera de
qualquer descuido adversário, ocasiões de muitas perdas.
Em uma dessas manhãs, ao despertar, meu avô
ouviu da sua mãe orientação de que ficasse fora das escaramuças, pois sonhara
que ele seria atingido na cabeça e temia pela vida dele. Jovem e afoito,
procurou desfazer das preocupações maternas e foi à luta, instalando-se numa das
janelas em posição de tiro, donde disparava contra o inimigo.
Certo momento, anotou a presença de um
artilheiro visível da sacada em que ficava, também a lhe apontar arma. Cochilou
na mira do rifle, mas antes escutou do outro o estampido; o outro atirara
primeiro. A bala resvalou no fingido lateral da construção e tampo da massa
arrancada veio-lhe de encontro ao rosto, cobrindo-o de poeira, toldando a visão
de barro e cal. Desse modo, por quase nada o tal sonho deixara de se tornar em
realidade.
Noutro hora do conflito, já mais próximo do
término, achavam-se, ele e outro rebelde, um caboclo das hostes de D.
Fideralina, de Lavras da Mangabeira, a sustentar o fogo por detrás da proteção
de sacos, quando um disparo frontal colheu aquele combatente, que, de bruços,
caiu sobre a própria arma. Com isso, meu avô indaga:
- Perigou, Bindá
(era o seu apelido)? - E a resposta veio no gesto de levantar a cabeça e
mostrar feia perfuração de bala no meio da testa, em seguida voltando inerte à
posição anterior.
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