quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Cabo Morais


A história que vou contar se deu em Crato nos anos 50 do século que passou, tornando-se de domínio público e talvez ainda viva na memória dos cratenses.

Havia destacado no efetivo policial da cidade, um praça conhecido de nome Morais, Cabo Morais, a quem o povo respeitava mais pelo uniforme que envergava do que pela valentia, vez não ser essa a maior das suas virtudes. Nas lides da crônica violenta, agia de modo conciliador, pouco afeito, diga-se, ao ofício truculento das armas da época.

Lá num dia de segunda-feira, data em que a cidade fervia no movimento de sua feira tradicional, a fama que faz o homem deitar na cama achou de pregar uma peça no militar, o permanente daquela ocasião.

Seus companheiros de guarda haviam saído noutras diligências. Por demais cioso da obrigação, às pressas, o cabo, sozinho e desarmado, resolveu coibir arruaça formada para as bandas do Seminário. 

Viatura, nem pensar. Raríssimos automóveis existiam. A pé, subiu as encostas do morro a fim de cumprir o dever. 

Chegou na rua de chão batido onde meliante embriagado a tudo revirava. Analisou o escore, tomou fôlego, da fraqueza fez a força, e falou alto, dando ao homem voz de prisão, de pronto obedecido sem maiores relutâncias. Ficava daí a impressão de lidar com pessoa de baixa periculosidade, à vista da maneira como o contraventor arrefecera ânimos diante da autoridade constituída.
Na seqüência, desceram os dois a Ladeira da Matança, rumo ao centro, aonde, numa das esquinas da Praça da Sé, funcionava a Delegacia de Polícia, junto da Cadeia Pública.

Coisas transcorriam da melhor espécie, naquele fim de tarde. Os feirantes recolhiam as derradeiras barracas e guardavam instrumentos de trabalho e sobras de mercadorias.

Nu da cintura para cima, à frente, ia o prisioneiro, seguido de perto pelo Cabo Morais. Cena regular, subiam a rua Dr. João Pessoa se aproximaram da Praça Siqueira Campos, momento em que alguns populares, reunidos em torno dos bancos do tradicional logradouro, notaram aquela prisão realizada pelo militar conhecido. Nisso, algum deles, moleque, não se conteve e gritou:

- Levando esse, hein, Morais?

Ao ouvir o chiste, qual alertado por senha desde antes combinada, o preso reteve a passo, virou-se admirado a observar o policial que próximo lhe acompanhava e perguntou:

- O senhor é que é o Cabo Morais?

- Sim, sou eu mesmo – num tom grave respondeu o militar.

O preso, recolhendo os quatro dedos laterais da mão direita, deixando saliente tão só o do meio e maior de todos, bateu as costas dessa mão na palma aberta da mão outra, no estalo característico daquilo que convencionaram chamar de cotoco, e disse:

- Pois aqui que eu vou preso! 

Ato contínuo, o Cabo Morais, sem perder a reconhecida serenidade, armando-se de atitude semelhante, retribuiu o gesto sonoro:

- Pois aqui que eu te levo! – largando ali a difícil missão.

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