terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A vaquinha


Histórias que o povo alimenta conduzem valores exemplares de outro modo a passar isolados, não fossem as metáforas para levá-los adiante. Vem disso continuação dos mitos orais nas diferentes culturas.

A propósito, perante situações que a vida impõe, existe tendência ao contraditório, à teimosia, da parte das pessoas envolvidas, disputa interna por vezes evidente, quais fatalidades injustas do que se convencionou chamar Destino.

Em passe de mágica, de um e a outro momento, ventos giram a roleta da sorte e sujeitam mudar projetos elaborados há séculos, antes considerados perfeitos, que esvaem feito espuma. Só depois vêm notar, nas dobras do futuro, que se tornaram herdeiros das venturas benfazejas. Conhecem-se através da tradição popular histórias que mostram isso que dizemos. Leiam uma delas, pois:

Décadas passadas, no sertão nordestino, mourejava um agregado e sua família, esposa e cinco filhos. Amarguravam a estrutura medieval do interior, onde os moradores fazem parte integrante da gleba. De seca e inverno, esperassem além do necessário, reduzidos ficavam à rude sobrevivência.

O pai rasgava a terra, plantava legumes no período das chuvas. Durante o estio, servia apenas de braço ao dono do chão. Dispunha de poucos bens: eles próprios, os instrumentos de ganhar o pão, os trens da cozinha e um animal de leite, ganho de meação, vaquinha que remediava os filhos, neutralizando a penúria.

Um animal peçonhento, porém, triste dia, colheu de surpresa a pobre vaquinha, morta de mal desconhecido, refugada na pele e nos ossos.

Com o infausto, chegou o matuto na casa do proprietário, pediu as contas, reuniu mulher, filhos e coisas, e largou-se no oco do mundo.

...

Inteirava trinta anos, um pouco mais, quando o antigo senhor da fazenda viajou a terras do Paraná e encontrou, sem esperar, o ex-agregado e sua família.

Diz a história, ter o nortista enriquecido; possuía fazenda bem equipada, produzia fartas lavouras e educara os filhos nas melhores escolas.

Admirado de ver o progresso daquelas criaturas, o ex-patrão se aproximou e quis saber por onde andaram desde que haviam ido embora.

- O senhor lembra a vaquinha que eu tinha lá no sítio? – perguntou o antigo agregado. – Quando ela morreu daí fui forçado a correr e procurar as saídas. Andei mundo – continuou. – Nos começos, trabalhava feito doido, mas serviço não faltava. Os meninos cresceram e ajudaram no pesado. Ganhos melhores, economizei quanto pude, e comprei uma garra de terra. Mais alguns cobres, e juntei gado. Atravessado o pior, hoje, vejo que o que pensava ser desgraça se transformou em vontade de vencer e superar as limitações. Por isso, agradeço o prejuízo daquela vaca, o que me tirou da sua fazenda e me jogou a outras paragens.

...

A título de desfecho, cabe falar aqui na Lei da Compensação, onde tudo se relaciona para favorecer os que bem merecem. Nela, plantar o que é bom garante bons frutos, porquanto fazer e merecer caminham juntinhos nas escolas do Infinito. 

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