sábado, 26 de janeiro de 2013

Bichos comem


Personagem das mais características, cuidou como poucos do planejamento urbanístico cratense, embelezando a cidade e propiciando muito das feições que hoje oferece, sobretudo nos logradouros centrais. Júlio Saraiva Leão, de família tradicional do município de Quixadá, porém nascido em Crato, onde viveu longos anos, da primeira para a segunda metade do século anterior. Homem dos sete instrumentos, ele se destacou em nobres profissões, de ourives a músico, fotógrafo, construtor, paisagista, etc.

Tipo espirituoso, Júlio Saraiva animava, com suas considerações inteligentes, às rodas nas noites da Praça Siqueira Campos, frequência obrigatória daqueles tempos, quando, no máximo, se ouvia rádio ou liam livros, jornais, revistas, cartas, telegramas, bulas de remédio e receitas de bolo, além das sessões de cinema, o que servia para tirar as pessoas dos invólucros cotidianos.

Foi o principal responsável pela reforma da Praça da Sé, no primeiro mandato do Prof. Pedro Felício Cavalcanti à frente da municipalidade, sendo de a ideia da fonte luminosa construída à época, modificada décadas adiante, tendo ao centro composição de uma cúpula invertida fixada sobre quatro arcos, a jorrar altos jatos d’água em três cores distintas, sensação do momento.

Quando demoliram a casa que pertencera a D. Rosinha Fernandes, construção secular e pitoresca, na área em que agora existe o Bradesco da Siqueira Campos, seu Júlio preservou dois artísticos leões de louça, peças tradicionais que ornavam o portão principal no jardim da residência, símbolos da aristocracia do Ciclo da Cana.  

No seu governo, o prefeito José Horácio Alves Pequeno designou-o para administrar os logradouros municipais. Sabia como poucos embelezar praças e jardins. Dentre as iniciativas que adotou, estabeleceu pequeno zoológico no Parque Municipal, agora Praça Alexandre Arraes, reunindo espécimes dos animais da Chapada do Araripe, dos brejos e das zonas circunvizinhas. Onças, veados, sariemas, cutias, cobras, tatus, juritis, sabiás, jacus, retirados do ambiente original, órfãos da silvestre liberdade. Recebiam ali tratamento digno, enquanto ofereciam à população oportunidades de conhecer os irmãozinhos da Natureza. Isso até quando não faltou verba para manutenção e os animais começaram a passar privação.

Nesse meio tempo, José Horácio avistou-se com Júlio Saraiva, trazendo à conversa outro assunto bem menos importante:

- Sim, Júlio, eu queria que você me oferecesse aqueles leões de louça - lembrou o Prefeito, num tom de insinuação, visando algo de mais interesse: - Quando poderei contar com eles?

- Horácio, você não quer os bichos que comem, lá do Parque, pois os que não comem também não vou lhe dar - respondeu Júlio Saraiva, reafirmando a prosaica sinceridade de era detentor.

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