sexta-feira, 6 de abril de 2018

Trovões na madrugada

Isso bem cedo, quando as galinhas ainda estudam descer do poleiro e os pássaros insistem fazer a trilha sonora da madrugada. Nessa hora, os pensamentos começam a chegar juntos depois dos sonhos da noite, que se apagam mediante os limbos fortes do dia. Vem um daqui, outro dali, retalhos de ontem, lembranças de amanhã, preocupações inveteradas, caldos finos das notícias que sumiram na véspera. E eles pensamentos conspiram de querer viver no papel, espécies de curupiras montadas nos javalis do tempo que transcorre numa velocidade estúpida. As gerações esfacelam nessa tal conspiração de acontecimentos que ocorrem sem pedir licença; vem outro personagem insistente, o querer saltar da cama, acender a luz e ligar a máquina ali em cima da mesa. 

Ao fim, no entanto, quem escreve é que pergunta isso. Colar as letras, as frases e deixá-las jogadas no vento dos momentos que foram embora assim terminou de juntar gravetos de ideias, e nada além acontece a não ser o profundo silêncio das ondas nas praias infinitas do desejo. 

Bom, mas há o que dizer, sim, nem que seja só dizer e ver tingir os tetos da imaginação. No início, fora a oralidade. Falar e passar adiante através das palavras ditas. Vieram cartas, de navio, a pé, nos cavalos, nas gretas das portas. Nisso, Guttenberg reencontrou os tipos móveis chineses e fez a Bíblia de 62 linhas. O livro, o jornal, que tomaram de conta das bancas das manhãs. Eram as revoluções sequenciando a história. Foi quando aflorou a energia elétrica e produziu rádio, televisão, telefone, telégrafo, essas geringonças eletrônicas disfarçadas de santos. Rádio, o tambor tribal daquela hora, no entanto, seria o arauto das distâncias imediatas. Já hoje, as maquinetas do milagre viraram gandaias de bolso da produção imediata de informação. 

Mas de qual informação?! Das de súplicas ao Pai Eterno de que nos dê juízo e força de atravessar o túnel interminável das existências sórdidas e aportar num lugar de luz na consciência, e sonhar acordado as vistas boas das manhãs de paz no coração da gente.

(Ilustração: Gustave Calliebotte).

Um comentário: