segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Aos deuses do esquecimento

Lembrássemos tudo e seria isto a maior de todas as torturas. Vagar quais depositários de todos os momentos, e carregar-se-ia o farto inominável das ausências em jornada cruel através das vidas. Nisso, recorrer aos deuses dos imemoriais, das neblinas que cobrem de sombras os trilhos deixados fora por força do passado impiedoso que sumiu de ingrato. Tanger a bem longe quiçá até momentos dadivosos e ricos de alegria, porquanto ninguém suportaria reviver de felicidade os pagos do desaparecimento do veio e não permaneceu. 

Nalgumas horas, clamar aos céus esse esquecimento ainda que de ricas e doces emoções, pois o coração quer descanso diante dos dias, mesmo entontecido nos braços da boa sorte. Ali a gente recorre a essas divindades que apaziguam na alma a sede dos enlaces só de amabilidades e flores. Isto sem querer também deixar de lembrar as amarguras deste chão de inesperados acontecidos, pátria de ingratidão. 

Há, sim, entes invisíveis que zelam pela sorte dos humanos, guardando deles o que seriam as lembranças mais plenas do quanto viveram. Apaziguam lá por dentro das almas ansiosas o desejo de constância nas realizações de antigamente quais responsáveis pela saúde das pessoas, que decerto nunca suportariam a ação inclemente do tempo sobre as horas que fogem na velocidade estúpida dos elementos incansáveis. 

E a gente, atores e personagens das peças que encenam, larga no presente os sons, as paixões, o furor das gerações, sempre rumo ao desaparecimento no fluir de ondas e partículas. Espécies de lâminas jogadas aos mares das existências, preservam o quanto podem no dever de continuar, porém cientes das curvas do inesperado. Nutrem de sonhos os fiapos de memórias que restarem durante o processo da inexistência que lhes aguarda menos dias, menos horas. Solos férteis de ilusões, dobram os joelhos sobre as pedras rudes deste mundo e rezam fervorosos aos santos deuses do esquecimento, nisso aquietando o pulsar das saudades a troco da esperança definitiva.

2 comentários:

  1. Há momentos em nossa vida que fazemos questão de preservar em nossas lembranças. Foram momentos de tanta felicidade e enlevo que faríamos qualquer sacrifício para que em nossa lembrança permanecessem, ainda que para isso tivéssemos que dobrar os joelhos sobre pedras em sacrifícios, ainda assim valeria a pena. Determinadas lembranças são amparos para tornar nossos dias menos vazios, menos pezarozos e de mais esperança. Momentos de felicidades são raros e tudo faremos para estas lembralembranças preservá-los.

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  2. Parabéns pelos seus textos cada vez mais ricos e benvindos.

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