sexta-feira, 17 de março de 2017

O último reduto da vaidade humana

Pouso de todas as eventualidades, bem ali quando os viajantes extenuados põem piquais abaixo e olham em volta na busca de algum refrigério mais. Enxugam a testa, passam a língua nos lábios ressequidos e estendem vistas ao horizonte que desaparece pouco a pouco nos derradeiros clarões do dia. Chegara sim à estação final do processo vida... Numa total ausência de possibilidades futuras, enfim o repouso em paz, isto é, a vinda de quem viria na certeza de buscar o passageiro do Desconhecido. Ela, a indesejada abra os braços de par em par.


Naquele instante, grau absoluto das relatividades do Chão, aonde foram os dilemas da espécie dos homens mornos? Tanta correria e pouca essência, tanto adiamento e vastas ilusões. Bom, mexe, nalguns juízos ela mexe, pois esqueciam de alimentar a certeza do desaparecimento lá adiante. Gostavam das falcatruas, das enganações de si e dos outros, quais vitoriosos, perfeitos, intocáveis, quando viam passar os despojos dos inimigos e riam felizes, só que vítimas da inevitabilidade. Quais vacinados da eterna dama, no entanto, pareciam imunes a todos os abusos deles praticados. Deixavam de lado o senso da realidade e amarravam a si coleções, apegos de carne, e deitavam e rolavam na cama da ingratidão. 

Claro que, nisto, fustigam a comodidade dos anos de se imaginar sem fim, amém. Contudo o tempo mantém viva a verdade ao pano solto no mastro principal das existências e se engana quem quer, ou pensa que quer esconder-se de quem a que final? Assunto meio de adulto, todavia inevitável. Olhe de frente, meu amigo, minha amiga, que haverá momento de chamar o garçom e pedir a conta. Bebeu, comeu, então aceite o preço do único cardápio.

Escolherá talvez os trajes, ternos, camisolas, ou fitas, da viagem de regresso, e erguerá nos ombros o peso da cruz que carrega, ou joga nos ombros alheios, e subirá a ladeira do Calvário no transporte da imortalidade, talvez ainda preocupado com os frutos e os negócios que armou, ou super alegre diante daquilo que semeou aos atores da mesma comédia. Abraços de paz naquela hora, que ninguém aqui ficará de semente. Examine com carinho e veja o seu merecimento já hoje.

(Ilustração: Angelus, de Jean-François Millet).

4 comentários:

  1. Essa foi a tal chamada "sacudida". Vê quem tem olhos para ver, ouve quem tem ouvidos de ouvir e mantém muda a voz da culpa. A hora é de ajustar as contas.

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  2. Sem nenhum publico alvo. Apenas observando o contexto das palavras. Somente.

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