quarta-feira, 19 de outubro de 2016

A gangorra do destino

De vestido longo e sete saias, ela dança naquele salão enorme, cabelos ao vento; e dançando, dançando, no som do sentimento e dos acordes de Bach, a boca amarga, o peito arde e a tarde ferve.

Fala por meio do diálogo deles dois aflitos, na expectativa de receber algo hipotético, todavia que não cessa o tempo de anunciar nas frestas das conchas, nas histórias do povo e na prática obstinada de esperar o que de vindouro vem; virá um dia. Os personagens, sempre os mesmos, de olhos postos nas dobras do infinito, que guardam certeza de receber a encomenda ao toque impetuoso do teclado longo e surdo; aquilo dos dramas-comédia, das ranhuras na alma, tudo fixo numa infalível anunciação.

Pacote amarrotado ou carta boa, recheada dessas quaisquer surpresas, há, sim, patentes, à espera, festas de otimismo, saudade do ser feliz. O que sabia disso, contudo, alimentava suficientes sonhos, na luz das prendas escondidas sob as pálpebras ressequidas. Ninguém aceitaria respostas inadequadas diante de tanto desejo reprimido.

A cigarra toca avisando o correio no portão. E essa carta que, chegando, chegando, nunca chega. Mas chegará de algum modo. O caminho mais curto?... Ninguém sabe. Sabe-se, sim, que virá a passos longos e breves pelo corredor interminável das horas...  

Na conta disso, olhos nas movimentações da rua, acima e abaixo, ouve o caminhão do lixo. Lembra ser sábado, e que não passará correio naquele dia. Então, assim também é bom, porquanto ficará tranquilo noutra tarde. Alguma correspondência chegará, porém. Irá cuidar dos bichos, seus iguais. Sonhar, filmar, ouvir telefones, contar fantasias, contemplar as flores, no jardim da praça; escutar pássaros, aos começos de noite. Quando chegar, pretende recebê-la a caráter, de modos bons, tantas vezes, horas, meses, séculos alimentados no seio do coração. Com braços pregados em cruz, na mesa do jantar, entre xícaras, talheres, bolos e bules fumegantes, e sorrirá de alegria.     

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