quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O Mandarim

Na página do livro que lia, Teodoro deu de cara com a improvável perspectiva de, ao tocar uma campainha mostrada pelo Tentador, virar herdeiro universal dos cabedais infindáveis de Ti-Chin-Fu, um Mandarim mais rico que a fábula e a História contam.

- Ele soltará apenas um suspiro, nesses confins da Mongólia – acrescenta Eça de Queiroz, no conto que leva o nome de O Mandarim. – Será então um cadáver: e tu verás a teus pés mais ouro do que pode sonhar a ambição de um avaro.

Nesse trabalho, o escritor narra vivência fictícia de funcionário que se depara com trecho de obra antiga onde via a oferta de ganhar aquela fortuna sob a única condição, em pacto perverso, acionar o dispositivo e eliminar, bem longe, na China, nobre ancião que brincava de lançar papagaio em campos verdes de relva.

Sem hesitar, o mero sonhador aciona aquele instrumento letal:

- Foi talvez uma ilusão – segue o texto; - mas pareceu-me que um sino, de boca tão vasta como o mesmo céu, badalava na escuridão, através do Universo...

- ... E nos braços frios tem o seu papagaio de papel, que parece tão morto como ele – desfecha o autor português.

No seu torpor, Teodoro ainda notou o sujeito saindo da sala, carregando um guarda-chuva debaixo do braço.

Dentro de breve tempo, veja só no que se deu.

Com o passar de um mês, quem antes sofria diante das míseras exigências da mediocridade financeira, pôs-se a juntar milhares de contos de réis rápido tornados milhões, da noite ao dia, na outra vivência, pondo-se a cogitar real a visão em que se metera, naquela chance ofertada pelo Vadio. Arriscara ao menos para saber da verossimilhança do que agora lhe fervia de remorsos cruéis face ao critério vigoroso da consciência.

Depois disso, choveu na horta do ex-amanauense, a viver mundo de repetidos sonhos. Disparara o botão da pequena caixa e na remota Catai dera fim aos dias do velhinho brincalhão em suas campinas solitárias. Gesto simples, caldo infeliz; igualmente, tornara-se o dono absoluto de toda sua fortuna.
Antes disso avaliara prováveis conseqüências de coisas sonhadas e não via porque admiti-las transpostas ao mundo físico. Uns admitem a possibilidade; outros, não; e era do segundo grupo, ainda que nele a vida fosse mais difícil, nas contas, nas repartições, na cidade. À sorte em poucas esquinas sorrir. Estudara os detalhes do conflito, as condições morais da resposta que dera na dimensão impossível.

Contudo, mais adiante viajou aos países longínquos do Oriente. Chegou na China, buscou comprovações e o mandarim na verdade existira, para seu desconsolo.

Até que um dia também volta aos braços da morte e abandona os bens que reunira na desventurada atitude.


Para desfechar o conto, resume numa frase seu genial autor: Só sabe bom o pão que dia-a-dia ganham as nossas mãos: nunca mates o Mandarim!

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