sábado, 18 de outubro de 2014

Autocrítica

Mas escrever tem dessas coisas. Ninguém se faça de besta a pensar que domina o ofício da escrita. Até quem sabe, cai nos barrancos, a pretender acertar; levado pela enxurrada, de vez em quando escreve bonito, contudo sujeita a revela pessimismo, niilismo, a prejuízo de quem lê ou escuta o que disser. O jogo da redação pede humildade e evitar desperdícios.

A gente chega ofuscado nessa máquina acesa e repousa o espírito a contar o que lhe desce no juízo. Há dias em que tudo parece fácil, imagens afloram na tela da memória, e tudo sai certinho. No entanto, outras horas fecha o tempo, branco total em tudo que é direção. E para não dar o braço a torcer, o autor ajunta raia miúda, e tome letra como vem.

O resultado, algumas vezes dá nisso que deu naquela crônica. Cochilo que implica ausência de oportunidade para ficar calado, pois, dizem os mais sabidos, palavra é de prata, e silêncio, de ouro. Num desses embarques, o instinto vence a pouca inspiração.

Por isso, que dizer mais? Que se deve cuidar melhor dos ouvidos e dos olhos dos que param nos textos, em consideração aos raros que escrevem, nessa época de movimento febril e pouco caso, quando jornais, revistas, transmitem, aos borbotões, pancadaria, escândalos e falsetas.

O que mais angustia o autor é a perspectiva do isolamento absoluto, nos cômodos escuros de mundos indiferentes, onde vive uma maioria acomodada. O rádio, ao seu modo, supre essa carência. Transmite independente de saber quem sintoniza suas programações. Nisso persiste como importante meio de comunicação, tambor tribal nas praças, desde as raças antigas. Já o jornal perde atualidade no momento de sair à rua. Cai no esquecimento, nos balcões de carne, nas mercearias e nos açougues. Charmosa, a revista, cheia de cores, duas, três semanas depois só volta nos museus ou bibliotecas, seguindo adiante com os registros da história.

Um dia, a tirania da autocrítica acorda só meio-dia, olhos inchados, postos no horizonte da cara, grogue, tonta de vertigem, na busca de um álibi para brincar de fazer comentário da própria cara. A propósito, há de considerar que tudo é perigoso e exige o preço, seja de fora, seja de dentro de cada um, motivo da crise de pouca lucidez por que passam os autores, nestes dias atuais.

O gesto espontâneo de escrever se parece com atitudes para atender exigências do momento. Vem a sede, busca-se água. O frio, cobertor. A fome, alimento. Assim como querer responder a perguntas, no intuito de satisfazer a pura necessidade. Livre de coação, busca erguer os olhos. Sobrevoar o presente e formular instantâneo daquilo que se contorna, qual no centro de bolha cercada de feixes invisíveis. Recolhe-se, que nem caramujo na lama, o fruto das idéias em palavras a pousar no papel, visíveis por vezes lidas por outros seres humanos.

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