quarta-feira, 1 de outubro de 2014

A xícara de chá

De comum, as pessoas vivem cheias, abarrotadas de conceitos a propósito de quase tudo, espaços ambulantes preenchidos até as bordas, quartos de despejo sem caber nem mais um dedal, lotados intelectos de mil divagações. Para onde se deslocam, arrastam tralhas, cacarecos zoadentos, a emitir sons, opiniões balizadas, senhoriais, batendo portas na cara das novas chances, produtos acabados de roteiros fora de moda, nos circuitos comerciais das estradas velhas no mesmo lugar.

Isso lembra um episódio experimentado pelo mestre japonês de nome Nan-In, que viveu na era Meiji, período situado entre 1868 e 1912, quando, certa feita, veio visitá-lo sapiente pesquisador, na busca de respostas prontas as dúvidas relativas ao zen-budismo.

Nessa hora, introduzido nos aposentos do mosteiro a fim de comungar da tradicional cerimônia do chá daqueles religiosos, primeiro o visitante desmanchou-se em longas falas quanto a como trabalhar o assunto de suas pesquisas espirituais.

De antemão, sabia de tudo o que viera aprender. Falou... Falou... Falou mais ainda... Ao tempo em que o mestre despejava com zelo, na xícara do visitante, o chá cheirava a erva perfumada. As palavras ditas em quantidade inundavam o ambiente, envolvidas na fumaça do bule fervente, vibrações múltiplas que preenchiam o sítio discreto da cela do monge calmo.

Sem conter a mão, o mestre prosseguiu no gesto de derramar o chá e encher a xícara, após saber que esta já transbordava e o líquido escorria farto pelas bordas, inundando o pires e a mesa pequena, em volta de onde se reuniam.

Nesse momento, o visitante externou impaciência com aquilo e reclamou, pois: - A xícara completou! .Não cabe mais nada - disse apressado.

- Isto mesmo, semelhante ao que se dá com esta xícara - disse Nan-in, - o senhor se acha cheio de tantas idéias e racionalizações que isso anula as alternativas de estudos posteriores que queira desenvolver. Daí sua resistência em parar para ouvir algo a respeito do que veio procurar aqui. - E, de quebra, acrescentou:

- Antes de receber coisas novas, primeiro, cabe-nos esvaziar o interior, qual se esvazia uma xícara onde queiramos beber as luzes do verdadeiro conhecimento.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário