sábado, 30 de novembro de 2024

Na vastidão do Infinito


Só o amor se compara a isto, dimensão intraduzível nas palavras, conta desse mistério de tantas existências infindáveis lá além do quanto permite saber, pensar e até compreender. Ao aprofundar a vista a qualquer ponto dos céus eis que, num mergulhar, chegar-se-á ao Infinito, porquanto nenhum limite existirá na face das estrelas em movimento, algo assim por demais tocante, que demonstra a pequenez do que ora somos, apenas minúsculas testemunhas do Cosmos que nos envolve sempre do inalcançável durante todo tempo.

Nisto, seres que interrogam, angústia sem par, reclamam possibilidades, porém clamor silencioso responde o intangível. Vagamos, contudo, a saber de tantas dúvidas, cérebros ainda insuficientes de desvendar a real consciência do que de verdade sejamos, mesmo cientes de existir dalgum modo.

Em consequência de quanta interrogação, deslizamos no inesgotável das horas e nelas tecemos de esperança e fé todas as certezas que pudermos recolher numa única história, a transportar vidas e vidas pelas reencarnações adiante.

Deixar de lado os meros acontecimentos, fortuitas ocorrências e sórdidos pensares, após o que aceitar de bom grado viver, sobreviver e sorrir diante do Eterno. Nós sermos isto, alimárias que conduzem a História em pequenos cestos denominados indivíduos. Extáticos, percalços de mil aventuras errantes, contemplamos as maravilhas da Criação e desfazemos em contas de rosário imenso aquilo de presenciar as folhas do firmamento dentro da própria alma, tais intérpretes dessa magnitude a que pertencemos abismados.

Há essa trilha que nos percorre e dela sermos percorridos a todo instante, passageiros desse comboio em trânsito nos caminhos do Sol, seguidos de perto pelo desaparecimento em outras plagas, no entanto sequiosos de haver desvendado o senso da realização. Entre o ser e o existir, ali percorre inextinguível o barco do Destino, pé-ante-pé, a preencher de surpresas a imaginação da gente.

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Desconstruir o mistério


Face a face consigo, tais visões de um espelho circular, passam por nós as memórias numa velocidade constante, o que demonstra, de verdade, aquilo que nos interessa interpretar de nós mesmos nas suas mais diversas ocasiões. Portas abertas do Destino, assim o somos, retalhos da boa chita que se conformam conosco nas vidas e vidas. Até então foram percursos inesquecíveis, pois, uma vez que permanecem aqui de junto, a contar as ocasiões dos pensamentos e sentimentos e de nossas práticas naqueles instantes deixados nalgum resquício eterno, preso aos nossos seres quais farnéis de procura. Pessoas. Lugares. Momentos. Arcabouços das aflições e glórias imortais de quem e quando fomos seus autores, parceiros e viventes. Sei que existe, sim, a tal caverna de que falou Platão, donde se avista a tela escura nas profundezas, projeções da luz lá de fora em forma de sombras ativas a nos entreter toda hora. Desfilamos, tais atores de um cinema individual no quanto presenciamos daquelas ilusões imaginárias, a revelar só ficções do paraíso doutra essência que virá lá algum dia, de girar dentro da presença individual e resolver ser o que seremos em definitivo, na descoberta da Consciência. Guardada desde sempre, enquanto isso, só meros desenhos animados, esboços grosseiros do que vivemos ao sabor dos impulsos, tais diferentes aventureiros do prazer imediato. Famintos das horas, arquejamos ao sabor desse tempo e desfazemos a própria história nos fragmentos fulgurantes daqueles cotidianos provisórios doutros e antigos dias.

Depois, bem depois, de percorrer essa longa estrada no correr do firmamento, olhos acesos ao que virá, eis a caravana que antecede o trilho do Infinito. Existe de tudo no meio dessas figuras impacientes do que fazemos das lembranças; restam esses personagens que transportamos na mochila da sorte pelas existências adiante.

 

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Às tantas horas de toda manhã


E saber dessas cores que ora sobrevoam os séculos, numa soma igual à velocidade dos objetos que preenchem o espaço entre a gente e o resto do Infinito, isso que determina que sejamos, a qualquer custo, o sentido que arrasta esse trânsito magistral sem determinar a quê e quando. Noutras palavras, sejamos isto, instrumento das ações da Natureza, feitos de fragmentos de um mínimo lançado aqui neste solo das quantas interrogações. De uma condição haverão de admitir, porém, sermos sons, imagens e cores, latitudes e longitudes, limites e infinitos a todo quadrante, peças descomunais dos seres em movimento nessa crosta de um mundo a mais até então pronto a responder aos anúncios das redes, no entanto silencioso e distante, luzes que acendem e apagam, ecos do clarão dos novos sóis logo depois em movimento.

As paisagens vivas, cercadas de trastes inesperados, insistem, pois, continuar, diante do exótico desse tudo de que somos parte ativa, magníficos resultados das flores e dos animais abismados no vazio. Nisto, apenas observamos o fluir dos acontecimentos, certos de haver chegado ao lugar necessário a que viemos na busca de todas avencas sacudidas pelo vento. Termos os sentidos e deles trazer a resposta do quanto até agora quisemos encontrar de lucidez, todavia senhores de uma história arrevessada e seus mesmos autores, durante as vezes que reunimos tais conceitos, testemunhas de visões imaginárias ainda bem longe do que de real existirá perante os céus a todo segundo.

Esses tais que o somos formulam sua razão primordial, escondida sob o manto de vícios e virtudes que equilibram as existências, determinando justas motivações de andar feitos meros aprendizes, imitando clássicos de antigamente, numa escola sombria e clara, ao mesmo instante. Caminhar, sonhar, tocar adiante, a servir de motivo essencial do tanto que condiz às quantas horas em todas as manhãs, e termos isto o segredo guardado no coração, a ser interpretado na medida do sentimento, efeitos e causas dos fenômenos em nós, neste veloz carrossel de maravilhas, dentro em breve pedaços das horas e dos dias.

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Dias inteiros


O movimento das ruas fala sua própria linguagem, deixando correr pelas calçadas lendas e lendas jamais trazidas ao papel, no entanto vivas, constantes, presentes nas casas, nas gentes, em carros, motos, animais, num afã de causar alvoroço lá dentro dos que vivem esse transe de ser gente nos dias de hoje. Nisso, aonde for, seja ao sol ou nas raras manhãs encobertas de nuvens escuras, tipos exóticos hão de percorrer a paisagem enfurecida e desenhar margens a compreender uma velocidade com que passa nos dias e nas pessoas, em um tempo por demais preenchido de tantas atrações desse espetáculo sem conta, envoltas no único som da multidão silenciada, esquecida de quantos.

Puséssemos de lado o que até aqui aconteceu debaixo das empanadas desse enorme circo das cidades e ver-nos-íamos espectadores dessa mesma humanidade e que talvez a fizéssemos livres das cigarras e seu cantar alegre aos finais de tarde lá nas encostas em volta. Longos foram os tempos em que já transcorreram as multidões antes habitantes dessa massa de aventuras e o resumo de epopeias escondidas nos prédios sombrios. Às vezes, a gente para entontecido dalguma lembrança das pessoas que aqui habitaram em séculos anteriores, e qual adormecessemos de sonhos antigos, época no entanto de que sobrevivemos nalgum mistério dos que ora imperam.

Vezes sem conta, isso acontece na memória de todos esses circunstantes  que ainda permanecem nas jornadas dias e dias, pedaços de si só que insistem sobreviver à custa do pensamento de quem agora ocupado noutros chãos que lhe pertence de herança. Nós, cada um desses, trocamos passos pelas noites e esquecemos as marcas largadas nos calçamentos toscos, nas lojas, nos escritórios, restaurantes, resquícios de agora que virão em seguida, apenas às costas dos segredos esquecidos. Há nisso tal intensidade a dizer tantas histórias e, queiramos ou não, seremos sempre personagens constantes das ruas e dos becos de uma cidade assim pelo mundo adiante.

domingo, 24 de novembro de 2024

Manhã de chuva II


Enquanto aqui deixo a Internet trazendo algumas músicas de Beethoven, aperto os olhos doloridos de computador e leituras, a ouvir caírem as goteiras da chuva que molhou a manhã de domingo, ruído alternado com o pio desengonçado de pardais na coberta da casa.

Nessas ocasiões, em vez de outras providências administrativas de viver em organização permanente, ouço as vozes de dentro, no corredor dos pensamentos e palavras, avisando aos dedos quais teclas tocar de leve, para não acordar Danielle que dorme ao lado, na cama.

Há poucas semanas escrevo os sonhos que retenho na memória, buscando facilitar a compreensão do inconsciente, área sombria do ser. Ontem, no meio de uma madrugada calorenta e tumultuada, mais por barulhos vindos da casa da frente, falas murmurentas, gargalhadas, arrastados de portão, entrada e saída de gente, refiz o sono quando deitei na rede por pouco tempo, despertando em pesadelo. Via Ciro chegar machucado de queda na moto. Situei os pensamentos, sem querer preocupações. Voltei-me os sentidos para o alto.

Quando cedo, após ordenar os encaminhamos do sábado cedo, liguei a ele, avisando que redobrasse os cuidados, porquanto havia sonhado com acidente, etc., etc.

Daí, compareci ao Hotel Pasárgada, numa palestra de entidade dos funcionários do Banco do Brasil, seguida de um almoço.

Começo da tarde, nas ruas do centro de Crato, onde passaria no mercantil a fim de algumas compras, chega Ciro na garupa da moto para me dizer que o sonho acontecera. Derrapara numa curva e mostrava a mão ainda sangrando, devido a se proteger pondo-a na frente e arrastado no asfalto.

Bom, isso de raro me ocorrer, no entanto. Na semana passada, ao relembrar detalhes de um sonho, anotei uma milhar. 0127. Por experiência, passei na banca do jogo do bicho e marquei um real palpite de nessa casa. Daria em torno de quatro mil, caso lograsse êxito, o que não se verificou.

Ler a propósito de sonhos nos leva a compreender que cada indivíduo por si mesmo se trata da melhor fonte para a interpretação dos próprios símbolos, tanto em sonhos quanto noutras comunicações originárias do inconsciente, seja pessoal, seja coletivo. Os significados existem no sentido da decodificação. A arte guarda esse código simbólico ao dispor de cada um, raízes da consciência despertada.

Vou ao Kazaa observar o status dos downloads das músicas. A velocidade, esta hora do dia, nos domingos facilita o recebimento dos arquivos. E de certeza os clássicos persiste como a garantia de músicas harmoniosas e suaves, coisa de que os compositores esqueceram, nesse tempo de tecnologia excessiva e pouca criatividade artística.

A chuva fastou e o claro do tempo avança pelas janelas. Daqui a pouco irei a uma reunião do Instituto da Cidade, órgão recém criado no intuito de acompanhar os passos administrativos da atual administração municipal. Contudo, durante alguns minutos retornarei à cama até despertar por completo.   

  

Há um tempo...


... Quando pouco nos interessa relembrar, só relembrar, o que passou, das tantas vezes quando a saudade bateu à porta e fez morada no íntimo da alma. Esquecer novelas, filmes, livros, histórias, fotografias, presenças, tudo mais que seja, porquanto apenas toca de perto a existência e o que ficou atrás e ali permanece qual instrumentos fora de uso. Deixar de lado as horas de solidão, de lembranças boiando nas chuvas doutros invernos transcritos, roupas velhas largadas a um canto qualquer, trastes que serviram e desapareceram tal que por encanto. Os lugares onde viveu a infância de tanta imaginação, as pessoas com quem conviveu, as paixões, os planos de futuro que viraram fumaça, as nuvens em movimento nos céus doutras vivências, etc. Sim, os etcs que sucumbiram à força do tempo voraz; as festas, os passeios, as viagens, datas magnas, reuniões, sessões solenes, falas, escutas, entrevistas, rotinas, textos e contextos, um quase tudo, enfim, que aonde foi parar ou sumir, quem sabe? Enquanto isto, resta aqui de junto seguir estrada afora, a fora de onde? As perguntas sem resposta; as respostas sem perguntas.

Nisso, depois, agora... Longas distâncias percorridas no caudal das escolas, nesta escola da vida. As famílias, as chegadas, as despedidas; as músicas que marcaram época e o coração; um movimento sem fim de si mesmo perante paisagens, objetos que esconderam tantos dramas, tantas alegrias. Por certo esquecidos de nós próprios, que depois mergulharíamos nas águas do firmamento a sustentar marcas fincadas nos sentimentos, cicatrizes irreparáveis, tatuagens, talvez ainda nesta busca de compreender o céu da Consciência, o eterno perscrutador dos novos desejos, das prospecções de sentido que restam guardadas lá dentro da presença que insiste permanecer à janela dos dias, na esperança de nem ser consigo o que percorre essa faixa estreita de continuar que nunca para, a desfilar aos nossos olhos acesos.

Momentos que insistem dizer, e ficamos só absortos noutros motivos, nos esquivos personagens da gente encapuzada nos sonhos e fugitivos das eras, até quando algum dia desses, então.  

sábado, 23 de novembro de 2024

Um oceano de palavras


Qual o quê, em segundos tudo acontece, livre das restrições e dos rochedos nascidos ao acaso. São desejos e saudades, juntos a navegar pelas ondas do Infinito, numa busca incessante de resgate dos dramas guardados nas gavetas dos segredos, soltos tais minúsculas sementes do que virá logo adiante. Isto, a forma com que desliza o céu pelas encostas dos espelhos, a contar de si a tantos, contudo na forma das mais inocentes aventuras lançadas de bases misteriosas, conquanto invisíveis a olho nu.

As horas que se foram deixaram essas marcas profundas nos córregos, senhores das águas que chegam a todo momento. E nós, meros autores do inevitável, seguimos observando as normas do Destino, feitos personagens do inesperado no improviso das circunstâncias. Pisamos a lama das margens desses rios maravilhosos da Criação, porém aguardamos tão só o sabor do que merecer o que antes aconteceu. Espécies de raios do Cosmos em movimento, juntamos a nós mesmos o quanto disseram as letras no pensamento e sobrevivemos à custo do tempo, nas nossas veias do futuro próximo.

Elas, as palavras, sussurram aos nossos ouvidos mil fantasias inigualáveis e em instantes sumiram nas entranhas da alma, conduzindo longas caravanas de sonhos que nos fizeram os enredos de um passado agora inexistente, porém senhores do absoluto dos frutos que houvemos plantado na palma das nossas mãos. Eles, elas, ninguém, seres poderosos que alimentam de sóis os dias e em seguida somem pelas frestas do depois.

Bem isto, pois, percursos das histórias sob que dirigimos os instintos na ânsia de luzes ao coração. Palmilhamos tantas vezes os mesmos pastos e apenas agora seremos o que houvéssemos de ter sido desde antigamente, vadias criaturas dessas jornadas inextinguíveis; circulamos em volta dos sonhos e realizamos aquilo a que viemos, artistas nas telas de um ser sagrado que nos trouxe até aqui. Quando puder, que seja diferente aos olhos dos tantos aguardam acesos a firmar as estações.

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Domingueira

Meus avós maternos constituíram família morando em um sítio dos brejos da Batateira, em Crato, Sítio Monte Alegre. Ali mantiveram engenho de rapadura e alambique de cachaça, atividade tocada, com a morte de meu avô, Antônio Bezerra Monteiro, sob as ordens de meu Tio Quinco, dos irmãos o mais velho, que passaria a conduzir os irmãos devido aquela ocorrência, em 1946.

Os brejos do Crato ainda hoje preservam a cultura da cana-de-açúcar, adaptada às terras arenosas e férteis, realimentadas no húmus das cheias anuais do rio Batateira, a transferir o rescaldo das matas da Chapada através das encostas da Serra do Araripe.

Na minha infância, conduzido pelos irmãos de minha mãe, passei inesquecíveis momentos de moagens junto da comunidade formada pelos habitantes do lugar. Que lembro, havia o engenho de Tio Ramiro, irmão de meu avô, vizinho ao deste; o de Dona Morena, um pouco mais distanciado para as bandas do São Bento, na seqüência do rio; o de Felipe Bezerra; o de Dr. Antenor; o de Seu Aldegundes; estes os principais, todos movimentados de cambiteiros, moradores, proprietários e familiares; animais de trabalho, de criação; sobretudo nas épocas da quebra da cana, por volta do mês de julho, período das férias escolares.

Tio Quinco, também meu padrinho de batismo, trabalhava com empenho durante toda semana, porquanto sobre os seus ombros pesou a educação dos irmãos. Desde jovem, chamou a si tal responsabilidade que cumpriria à altura nas décadas posteriores.

Os domingos, contudo, reservavam a passeio tradicional ao Crato, aonde se chegava por três quilômetros de caminhos precários. Depois da semana de trabalho, vestia do bom e do melhor. Impecável, adotava quase sempre calça branca de linho, engomada no capricho; a pano passado, uma camisa distinta, de cambraia em azul claro; cinto de couro de jacaré, adornado com estojo dos óculos “Ray-ban”, companheiro inseparável; sapato de cromo alemão; e os cabelos castanhos engomados de fortes camadas de brilhantina, grudavam no couro cabeludo, resistentes a qualquer pé-de-vento.

Galã típico dos anos 50, padrão imortalizado nos filmes de Hollywood em fase de ascensão, desfilaria seu charme na praça Siqueira Campos, depois da missa matinal da nove, junto dos amigos de turma, a flertar belas jovens da fina flor interiorana. E ao cavalgar o lombo da moto BSA verde que possuía, enfeixava os detalhes restantes do modelo característico daquele período dourado.   

Lá um dia, no entanto, registrou-se quebra de roteiro.

Após ultrapassar a cancela da propriedade, fiel aos trajes descritos, em cima da ligeira motocicleta, logo, logo, num dos sulcos da estrada de jipes e burros do eito, defronte do engenho de Felipe Bezerra, cruzar-lhe-ia o percurso graúdo exemplar de porca impaciente, a receber no meio do espinhaço os pneus ligeiros do transporte, jogando no meio de larga poça de lama preta da moagem o lépido motoqueiro.

Esse encontro foi um Deus nos acuda! Naquele dia, desfizeram-se os planos de Quinco, pintado dos pés à cabeça da tiborna mais escura, que apenas ergueu a moto e voltou para casa, desfazendo o itinerário habitual da sua costumeira fidalguia de rever as pessoas da cidade naquela vez.

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Diógenes, o Cínico


Há desses personagens que determinam o jeito de a gente querer olhar o mundo e tirar algumas conclusões. Deles eu lembro Diógenes, andarilho irreverente que morava num barril pelas ruas de Atenas, na Grécia Antiga. Diógenes de Sinope, ou Diógenes, o Cínico. São diversas as anedotas trazidas até aqui por Diógenes Laércio, no livro Vidas e opiniões de filósofos eminentes.

Por acreditar que a virtude era melhor revelada na ação e não na teoria, sua vida consistiu duma campanha incansável para desbancar as instituições e valores sociais do que ele via como uma sociedade corrupta. Wikipédia

Dentre suas histórias mais famosas, cabe lembrar quando, certo dia, pronto a desfrutar de um prato de lentilhas, o filósofo Aristipo, ligado à corte e usufruindo das regalias dos poderosos, considerou: - Houvesse maior amizade entre você e o Rei e teria melhores refeições do que mero prato de lentilhas.

Ao que Diógenes apenas revidou: - Se tivesses aprendido a saborear com gosto um mero prato de lentilhas, de certeza não haverias de te sujeitar aos caprichos de Sua Majestade.

...

Diógenes detinha um escravo chamado Manes. Sem que pudesse contê-lo todo tempo, hora dessas e o cativo fugiu ganhando a liberdade. Qual não seria, porém, o espanto dos amigos quando o filósofo não esboço a mínima preocupação do ocorrido e de logo retrucou: - Uma vez que Manes pode viver sem Diógenes, o que impede que também eu possa viver sem Manes. Do jeito que ele ficou livre de mim, eu fico livre dele, pois.    

...

Sabe-se doutro momento quando, lá uma vez, sendo abordado pelo Rei Alexandre a se dizer seu admirador, que quis este saber do que ele estaria necessitando naquela ocasião. De dentro do barril onde se aquecia ao Sol, enfático de pronto retrucou:

- Nessa hora lhe peço, tão só, que saia da frente que quero aproveitar do calor da luz solar.


quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Paisagens humanas


Dentre os mais variados temas, persiste a vontade que mora ali no coração de todos, seres estes que são livres, libertos dos demais, porém habitantes de regiões quiçá ainda desconhecidas até deles mesmos. Assim, desfilam nas plataformas dos dias em todos os matizes pelas ruas da cidade. Veem, concordam, se olham acesos, vistas longas a outras paragens talvez bem distantes dali. Mil paraísos dispersos numa única folha de papel de sentimentos, ondas revoltas de um mar ser fim. Viajam soltos nas entranhas dos sentidos, aguardam (quem sabe?) o momento dalgum acontecimento fortuito ou doutras histórias que não essa, diferentes das que já carregam consigo nas estradas deste mundo. O que é realidade pura de que ninguém já obtenha a substituição definitiva, significa, pois, transportar as frações de tempo na superfície do desconhecido da pessoa que seja.

Contudo, enquanto aparentes espectros de si, neles impera o segredo de tudo quanto existe ou existirá sempre nalgum lugar. Porquanto meros sujeitos do Destino, detêm o senso do Absoluto escondido aonde nem descobriu ainda e nisso executam o procedimento da Salvação do desaparecimento. Contrastes, qual, de todos os sóis do Infinito, trazem consigo a luz dos firmamentos; isso no alvedrio das criaturas, preenchem as fichas das gerações e adormecem sob o mistério de quantos sonhos e interrogações...

Desse jeito, és o caleidoscópio das gentes em todos os quadrantes, civilizações, impérios. Livros que sobrevoam os séculos, revivem os caprichos da própria liberdade e dão de cara nos resultados das tantas vidas que sucedem. Humanas criaturas, heróis das aventuras errantes pelos painéis dos aeroportos, das filas dos supermercados, vendedores ambulantes, solitários pesquisadores das sombras que lhes observam das cavernas e dos desertos.

Na ânsia, por isso, de romper as crostas da evolução, aprendizes nesse universo daqui de dentro, encenamos os passos que nos abrirão as portas do desconhecido e ver-nos-emos face a face com a Eternidade, fragmentos de um Só e artesões da Consciência pura.

(Ilustração: https://www.projetodraft.com/verbete-draft-o-que-e-wisdom-of-the-crowd/).

terça-feira, 12 de novembro de 2024

O Açude Velho


Tudo na fazenda gira em torno dele. Principal reservatório do Tatu, a fazenda em que nasci, e que dispõe também do Açude Novo. O Açude Velho sempre marcou a vida naquele lugar, pela altura e extensão de sua parede, na qual transitaram comboieiros, viajantes e os primeiros automóveis da antiga estrada do Cariri a Fortaleza.

Nessa parede, em princípios do século XX, diante de chuva descomunal, dona Fideralina atravessaria madrugada inteira de angústia, a andar para cima e para baixo, em sua cumeada, de rosário nas mãos, a pedir que a cheia amainasse e mantivesse a barragem intacta, o que não aconteceria, pois antes de nascer o Sol seria essa a única vez em que a represa arrombaria, levando no eito toda safra de cana situada no brejo abaixo, prejuízo de um ano inteiro de trabalho.

Histórias outras transitam pela memória dos que viveram e vivem às margens daquelas águas, de vultos noturnos que desciam do beco do engenho e desapareciam no seu leito, sem deixar qualquer vestígio ou referência nas coisas materiais.

Nas três represas cobertas de capim de planta, no período de estio, e de aguapé e babugens, nas cheias, pululam marrecas, rachanãs, galinhas d’água, socós, num festival de sons, penas e cores, a torná-las parte dos mistérios profundos das águas insondáveis, avistadas quais espelho infinito do oitão da casa grande, lá no alto.

O banheiro limpo, na borda próxima da casa, ao qual meu avô descia ainda no lusco-fusco das madrugadas para a higiene matinal, serve de logradouro nas manhãs de domingo, alegria da meninada e ponto de encontro dos adultos em farra.

Nas águas do Açude Grande aprendi a nadar no estilo sem estilo dos caboclos, nos banhos coletivos, a jogar cangapé e me aventurar em travessias mais longas, a demonstrar coragem ou afrontar a sisudez dos mais velhos.

Há notícias de pessoas tragadas pelas águas, só encontradas no porão, lugar de maior profundidade, devido a vela acesa numa cumbuca, causando espanto às crianças que escutavam os relatos, sobretudo em noites estreladas, no alpendre da casa.

Certa ocasião, inícios da década de 60, levado por meu pai, presenciei uma pescaria em toda área do açude. As águas baixaram tanto, por conta de invernos deficientes, que marcaram data e trouxeram os habitantes da redondeza numa ação comum. Nunca vira tanta gente reunida quanto daquela vez, quase na lama, com água pelos joelhos; um formigueiro de pessoas, a fim de não perderem o peixe, no risco do total esvaziamento das águas.

Landuás eram os instrumentos mais usados, seguidos de tarrafas e galões, nas diferentes malhas. Ao peixe nenhuma chance se daria. Dentro de pouco tempo, as enfieiras, os sacos e outros recipientes esborrotaram dos exemplares de tamanho variado, curumatãs, trairas, piaus, pescadas, mandis, e até cágados e muçus; ali não existiam piranhas ou os atuais tucunarés, tilápias e tambaquis.

Em torno das águas do Açude Velho ainda hoje repousa a história da comunidade, que delas se alimenta, os poucos habitantes que ainda restam na fazenda, vida que nutre a vida que delas se nutrem há perto de três séculos, sem parar um único dia.

domingo, 10 de novembro de 2024

Palavras vivas


Tantas vezes a memória deseje conhecer a si mesma, nessas horas recorre às palavras, num afã de causar espanto aos menos avisados. Por isso, há infinidades de livros espalhadas no chão, desde sempre. No início em pedras, fiapos soltos de couros e sobras de vegetais envelhecidos; depois, nessa fome de continuar, vem a razão de quantas pelejas e inúmeras guerras siderais, desejo de muitos em contar do instinto da procura e das dores da ausência.

Talvez dadas essas justificativas, quer-se a todo custo achar um espaço à compreensão, enquanto, na verdade, são esforços desmedidos a conter o silêncio, este que jamais deixou de controlar as horas e dominar os pensamentos. Mas ainda que seja assim, lavas vulcânicas de sentimentos seguem a trilha do passado e invade os olhos dos humanos. Palavras, palavras mil, durante essa fome do desejo, susto de viver dos que estão feitos vultos assombrados na procura da Luz.

Conquanto meras letras mortas do Destino, essa multidão entontecida às noites sai no encontro de rever saudades agressivas e adormecem sobre o palco das lamúrias, querendo, qual seja, ao menos sustentar o sonho de sobreviver a qualquer custo. Bem nesses instantes, todos valores preenchem a barca do Infinito. São espécie de desencontros em face do inesperado, cientes, até, do que lhes possa vir da aventura incessante que transportam no peito, senhores de iguais e sórdidas penalidades do que seja desconhecer as razões de estar aqui bum só instante.

Nessas ocasiões de amargurar a solidão da própria alma, nesses momentos de susto e lucidez inevitável, elas, as palavras, gritam no coração a pedir paz, humildade, compreensão. E avançam caladas pela floresta escura do desconhecido, a rasgar derradeiros motivos de continuar e vencer o distanciamento vindo nas mesmas mãos que os sustentam nas dobras do mistério. Daí o fulgor que ilumina céus e terras, pelas folhas esquecidas de todos os livros abandonados nas ilhas do esquecimento. Nisto, regressam gerações inteiras, ao som das sinfonias esplendidas que alimentam e acalmam as angústias de existir.

sábado, 9 de novembro de 2024

Cores mais fortes


Surpreendentes e livres, feitas chapéus voando arrancados pelo vento das madrugadas, palavras escapolem no ar pedidos fervorosos de socorro, à busca súbita de outras cabeças onde repousem noutros pensamentos clandestinos. Aliás, pensamentos talvez digam pouco para expressar o ímpeto do coração nessa indefinição entre as trilhas do desejo e a matéria elaborada no forno da cabeça, para chegar à boca mecânica, indiferente. Isso que seja mais sentimento, invés de pensamento.  

Daí, na intenção original de quer falar, espécie de exanguidade em lua de mel, quando, por mais se insista em conter o desejo permanece, o coração andava cauteloso, sem querer abrir asas de liberdade, após experimentar emoções contraditórias de velhos desencontros. A presença dela, no entanto, encheu de oxigênio puro o peito, as fibras dos pulmões atrofiados na limitação oficial voltaram a folear com gosto. Compactados nos fios de pedra dos cânones, elas apenas seguiam sonhos em doses permitidas nas rodas oficias, beijos de mão e leves afagos nos braços descobertos da etiqueta. Nada que ultrapassasse a censura da impressão alheia.

Nisso, ela invade faceira o salão de baile das noites dimensionais e rasga as fibras cor de jambo dos tecidos cardíacos, rompendo no gesto o império bizantino do medo casto dos regimes ditatoriais. A primeira imagem que ressurge depois, no minadouro das ideias, seria, qual movimento de penetração solar nas fímbrias virginais do horizonte; albores das lindas manhãs de luz; intensas paixões desarvoradas. Laivos vermelhos, com riscas laranja e pomos de amarelo queimado, a brancos contornos precisos.

Ela, um dia de manhã, agora beleza sem precedente dos gestos inevitáveis da alvorada, havendo guerras, convenções, incertezas humanas; ela, explosão de suavidade gravada profunda nas paredes internas do infinito. Divina gazela no jardim do Paraíso, anda macio no meio de cactos, boninas, luares, marmeleiros, zumbido solto de linguagem cifrada, cumplicidade sideral das abelhas, riscos e desenhos magistrais de perfumadas flores, nas vestes esvoaçantes em corpo escultural.

Existem, sim, os refolhos do mistério, que abrem suas portas caprichosamente. Espécie de ser que desperta envolvido no líquido dos partos recentes, mexe o corpo no exercício da existência e acostuma em si o primor das possibilidades. Distende a silhueta enigmática num gesto harmonioso de incertos passos e ombros se erguem à certeza.

O coração, por sua vez, amacia o impacto dos primeiros raios sobre a superfície de cores vivas e deixa encrespar suas águas serenas, aquecendo a pele na lúcida imagem do céu que contorna de ramagens verdes um nascer bem devagar, e desperta feliz o dia de sol intenso.

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Livros são espelhos


Ao ler, lemos a nós mesmos através da projeção da visão e identificação, nas páginas escritas, projeção dos nossos conteúdos pessoais, pensamentos, cultura, conhecimento recolhido no decorrer do tempo. Vem daí a importância inigualável da leitura como fonte reveladora do Ser, quando revemos o que dispomos acumulado em nosso interior, recordando coisas aprendidas, movimentando reservas em nós depositadas nas sombras do passado que existirá sempre na mágica indestrutível da consciência individual. Essa consciência, que junta de si nos outros, forma bloco único e eterno das coisas a se revolverem no ato de ler, as quais são denominadas de inconsciente coletivo, nada além da formulação universal dessa Luz universal da Natureza maior.

É uma moeda que revela seus dois lados em apenas um só lado único, pois. Inexistirá divisão nesse padrão de todas as manifestações em consonância, representadas em face única e particular, o singular do que antes se supunha uma pluralidade infinita e múltipla. Milhares de faces de todo único individual, indivisível. Tudo e todos em um só e único, mesma face da moeda solitária a percorrer o cosmos em viagem sideral através das inúmeras consciências do único formato, entre si interligado por fibras internas da primeira essência.
Ler, portanto, percorrer a face de dentro do conhecimento em elaboração no lado íntimo das individualidades, atualiza essências anteriores da mesma face em novas revelações, constatação original da vez primeira em retorno às vezes outras que se repetem no ser individual-plural, no bloco indivisível de cada ser. Ato de procurar e encontrar a um só tempo, qual ente que desloca seu foco de consciência através da mesma rede imperecível que nasce da fonte perene do ser-conhecer em ação permanente.
Quando lemos, por isso lemos a nós próprios. Atualizamos causas primeiras e consequências posteriores da elaboração de pensamentos e discernimentos, configurando, outra vez primeira, as reações secundárias do que já foram ações primárias, nas letras, palavras e sentidos das novas edições do ato único de compreender que confronta a nós próprios.
Nesse processo da comunicação, as consciências se refazem muitas infinitas vezes, pelos seus próprios atos, no mistério persistente do ser em constante vir-a-ser, resistência, continuidade suspeitada de sobrevivência dos valores da unicidade nas coisas que se sucedem pela essência primeira, na continuidade de tudo em um foco perene, manifestado nas horas diversas e em imagens fragmentadas de futuro aparente, ilusões de particularidades que resultam das imagens únicas em movimento, porém indivisíveis, da mesma e só uma consciência do momento presente em cada lugar do imenso si mesmo todo tempo, e em cada um dos indivíduos atores, através dos quais se manifesta, portanto.
Nisto desvanece o princípio arcaico da multidão de subjetividades e se desvela o conceito pleno da indivisibilidade primeira e eterna do Uno, ser causa cáusica de tudo, Ser essencial, motor dos primeiros postulados, de quem derivaram todas as pretensões anteriores do dois manifestado e também existente, face dupla do Ser criador vivendo em nós, no entanto sem divisão.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Uma força misteriosa


Romance, uma palavra que lembra os tempos áureos da grande literatura e suas vertentes de variadas nuances, geração após geração, civilização após civilização, épicos períodos das sociedades guardadas em longas tiradas de felizes autores. O jeito de revelar o instante de cada povo, seus lugares, acontecimentos marcantes, imemoriais, ação ininterrupta e fértil, que depois geraria o campo magnânimo do cinema, em formidáveis e inesquecíveis superproduções, oráculo dos dias contemporâneos, ainda subaproveitado em toda sua potencialidade, sobretudo através da televisão, o monstro sagrado infiel da cultura.

Nisso, o tempo do romance jamais passará, porquanto transborda de força viva dos observadores que se revelam a cada tempo, de ritmo estrepitoso, cadenciado nos dramas cotidianos, revelações que carregam o multiforme da vida, por meio dos escritores de época e suas inspirações inolvidáveis.

Uns vêm e se encaixam no processo fluido da existência sem a coragem de ousar. Outros, no entanto, acreditam e insistem, até conseguir realizar o que lhes cabe. Um de nós há de fazer cada escolha pessoal. Um enigma isso de viver. Mais um dos tantos enigmas que se apresentam no passar das gerações.

À grandeza fica por conta das opções individuais, que responderão por si. Nisso, o próprio gesto de observar fenômenos em volta, seja no dia-a-dia, na digestão, nos movimentos da natureza, nas falas, nos animais, pessoas, clima, jornais, revistas, computadores, livros, filmes, tudo que compõe a enorme sinfonia de avaliação das moléculas do viver, da gente e dos demais em volta, a permitir que se promova uma leitura fértil e útil do panorama que se testemunha.

Daí a obra de arte e o gosto que as pessoas sentem ao querer acompanhar aquilo que se produz, juízos mais que suficientes a se formar um mundo mais sábio e mais humano. Este o dever das almas, dos herdeiros do Universo.

Há tempo em tudo


Quando me vêm as lembranças ocasionais, livres de serem chamadas, e me tocam os pensamentos e sentimentos, claramente observo que quem passa somos nós e não o Tempo, que permanece altivo nas lembranças acesas, a regressar quais seres em si independentes. Nisso, tais habitantes de um mundo próximo deste, no entanto vivo, indestrutível, a bem dizer eterno, sobrevivem em tudo e seguem adiante dotados de qualidades até aqui ignoradas. Minérios de subsolo gigantesco, compõem o quadro das horas e sustentam a estrutura firme do Universo de que também somos parte.

Num esforço descomunal, se deseja resistir aos caprichos desse Infinito poderoso, todavia mero empenho que, de novo, desaparece ao mesmo tempo donde tudo viera, nós, inclusive. Resta, nisto, a substância da memória, que fertiliza o subsolo da imaginação. Fragmentos, pois, dessa trilha inigualável do Tempo, somos testemunhas daquilo que nos faz, dia a dia, também senhores de um resultado perene, a soma de todos os instantes, que só aparentemente transcorrem, dessa aquarela maravilhosa da Natureza.

A conta disto, formulamos as mais diversas composições de perfazer existências, enquanto assistimos submissos o fluir das gerações, e nós e os nossos momentos em volta. À medida em que desfazemos a história, somos assim desfeitos, em contrapartida, pela sequência inevitável das horas, atores e diretores de peças estonteantes nos palcos da visão que logo se desmancham pelos ares.

Tanto pedem, contudo, que não seja, e que pudéssemos prevalecer face ao destino, sonho por demais elaborado que constitui a luz da Consciência na busca da perfeição, no sentido das filosofias, religiões e inspirações. Conquanto lá, então, desejemos tamanha esperança, somamos os pensamentos e sentimentos trazidos pelas lembranças, no sonho de realizar a plenitude desde sempre alimentada.

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Dimensões


Vez em quando me pego, de novo, a olhar o céu a querer avistar o Infinito logo ali, no entanto, quando difícil. E saber que existe algo além na profundidade da visão, ainda que isso apenas suma por vezes sem conta no azul lá longe, longe, bem longe. Será que há nuvens no Cosmos iguais as daqui? Querer saber, essa vontade esdrúxula, estranha qual essa palavra esdrúxula, que teima em nos acompanhar onde seja que estivermos. Tal ânsia de perguntar a quem?, à busca de respostas soltas pelo ar, tais blocos de palavras e pensamentos largados, que fossem, no firmamento cá de dentro da gente, de algum Autor...

Isto das dimensões que tendem crescer nos horizontes dos dias afora, busca insana de conhecer e ter de seguir adiante, mesmo sem as constatações mais suficientes, porém. Um céu vasto, ao dispor das criaturas... Mundos ignotos... Universos distantes, na vastidão que nos envolve nos sonhos vagos de outras histórias, outras gentes, naturezas, lugares, paisagens, sóis, luas, estrelas, gravidades, criações...

Nisso, as vidas que se sucedem em movimento e que estabelecem novas emoções nas novas criaturas; seres misteriosos a nos contemplar de seus lugares, sob outros critérios de avaliações e interpretações, linguagens. Suas naves, suas cores, formas, linguagens, imaginações, enquanto aqui persistem os níveis de sensibilidade e atitude face ao insólito dos tempos, dos motivos de existir, das nossas limitações.

Querer, por isso, reduzir à pequenez dos humanos as possibilidades de tudo, enfim, eis o teto da visão que persegue gerações inteiras no decorrer da História. Perante a sede do conhecimento há quase que o domínio da razão material a todo custo, na certeza do inalcançável dagora, qualquer desistência prudente. Tateantes espécies tão só fustigam, pois, os desejos da superfície e das ilusões, e dormem consigo próprios sobre os restos da véspera, nas condições de meros espectadores do próprio anonimato. Talvez esse fervor, certo dia, abrirá nos sentidos à real compreensão e signifique o motivo exclusivo que faz estar agora neste roteiro desde sempre traçado de Alguém a nos contemplar dalguma eternidade até então desconhecida.

(Ilustração: https://www.blogger.com/blog/post/edit/8950443997481616897/7127238050837953631).


domingo, 3 de novembro de 2024

A ratoeira


Outro dia li uma dessas histórias tradicionais que circulam pela Internet e agora resolvi recontar:

Numa fazenda, certo dia ao observar o movimento da casa, um rato notou que o patrão desembrulhava uma caixa e dela retirava possante ratoeira. De imediato, o roedor assustou-se. Estudou, então, algum modo de enviar as consequências daquele instrumento. Nisso, foi ao campo e reuniu os animais que achou, uma vaca, um carneiro e uma galinha, participando o ocorrido e sua apreensão. Mas qual não foi a surpresa ao ouvir da vaca:

- Sim, rato. Sei do que está querendo se defender. Porém isto diz respeito a você e aos seus, pois nunca entrei na casa, nem pretendo. Resolva por si.

Cabisbaixo, o camundongo, contrariado, olhou na direção do carneiro, que, despreocupado, pastava em volta. - E o senhor, Seu Carneiro, que tem a dizer.

- Hum, penso parecido com Dona Vaca, que esse assunto diz respeito a você e sua família. Nossa freguesia é outra. Dê seu jeito, por isso.

Quase fora de cogitação, fixou os olhos assustados à galinha, e esta foi dizendo:

- Penso igualzinho. A gente cuida de nós e dos nossos. Já tenho obrigações por demais todo tempo.

Bom, desfeita a reunião, o rato, triste, regressou ao seu esconderijo.

À noite, acionada que fora a tal armadilha, vem lá uma cobra peçonhenta e prende o rabo na dita ratoeira. Ferida de dor, o jeito imediato que viu foi picar a dona da casa, que dormia ali por perto.

Um transtorno geral na fazenda. Correram e chamaram um médico. Este, além das medicações de urgência, pediu que preparassem uma canja de galinha. Mais que ligeiro, pegaram a galinha no quintal e créu, feita a sopa.

No entanto só isto não resolveu, porquanto a patroa fez foi piorar, talvez por conta de alguma alergia medicamentosa. E logo dias depois o doutor pediu que providenciassem um pirão de mocotó de carneiro. Correram no chiqueiro e sacrificaram o carneiro.

Dia vai, dia vem, e a mulher não resistiu. Visto o inesperado, juntaram a família numerosa e tiveram de executar a vaca no almoço das exéquias.

O rato, de longe, apenas pode assistir o movimento, ainda lembrando de seus companheiros de jornada, sem que nada pudesse fazer.

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Os sonhos do imprevisível


Quando a ignorância é destruída pela Sabedoria do Eu, a Sabedoria, como o Sol, resplandece revelando a Suprema Verdade. Bhagavad Gita (O Cântico do Senhor)

Sei que há sofrimentos, dificuldades. Mas existem possibilidades outras, eu sei, sim. Defrontar as circunstâncias. Viver o que a vida impõe. Isto em um mundo por demais contraditório, cheio de dúvidas, esquisitices. Qualquer que seja o perigo, conquanto submissos às garras da Eternidade, divisamos perspectivas a todo instante frutos de nossos empenhos. Sempre nascerá o Sol. Nascerão as criaturas. Isto de fugir dos impasses torna-se profissão, religião viva no correr das persistências.

Nisso, busco rever os conceitos do desencanto e plantar em mim algo que seja o senso da certeza dos dias perenes de pura paz de que tenho notícias nas abas do firmamento. Construir o caminho da certeza na floresta da Consciência de que somos fruto. Bem isto, o sonho da claridade que mora no íntimo e renova de possibilidades as contradições vazias espalhadas pelo chão. O exemplo disso são as estampas de alegria presentes nas mesmas dúvidas que ficaram na estrada.

As próprias palavras transportam em si o véu da renovação a todo instante. Busquemos nos instrumentos em volta, nas atitudes positivas, os gestos de beleza das artes, dos bons sentimentos donde nascem humanos e universos, daí o prisma da plena felicidade em destaque no coração da gente.

Qual ritmo do pêndulo em que sejamos o eixo, descobrir-se-ia, lá um tempo, fórmulas mágicas de rever o sistema e refazer a história, razão de estarmos aqui a todo instante.