Lá pelas tantas, eles dois viviam a meio do carrascal do Sertão. Resolveram isso, que ninguém até hoje sabe explicar o motivo, de vir morar numa chácara abandonada, ali esquecida naquelas bandas desertas pelos antigos moradores, que sumiram a meio de uma grande seca no passado. E viviam relativamente em paz, quando, sem mais, nem menos, o eu homem resolveu meter os pés pelas mãos e agir à sua maneira, isto é, tal faria um homem comum diante da torridez do universo em que mourejavam. Às primeiras horas de uma distante segunda-feira, já padecendo da fome deixada pelos outros humanos naquela solidão, e arriscou pegar a braços o primeiro animal que lhe aparecesse.
Sorrateiramente desceria das encostas rudes um filhote de guaxinim
a querer beber água do açude quase seco, nas primeiras horas da manhã. E nisso
o eu homem, escondido debaixo de rara moita de mofumbo, munido de uma pá e uma
picareta, acertou em cheio o infeliz jaraguá do mato, rachando-lhe a cabeça.
Todo animado, ao chegar em casa, enquanto preparava o
quitute do dia, lembrou de acordar o eu deus que ainda lhe dormia nas
entranhas. Mas qual seria a surpresa; ele também estava de cabeça machucada,
idêntico ao guaxinim que trouxera há pouco da espera no mato. Nem sei se só
adormecido, no entanto bem baqueado no físico.
Não sabia o eu homem que o seu parceiro subiria naquele mesmo
instante até o Deus de Todos, nos céus, a reclamar da agressão sofrida quando
ofendido fora pelo eu homem.
Nisso, logo foi perguntado:
- Que fazia naquele momento da agressão?
- Andava em sonho à procura de água de beber – respondeu.
E seguiu o interrogatório:
- Com quais trajes? De bicho ou de gente?
- De guaxinim – definiu.
- Pois se conforme e acorde a fim de se alimentar da sua
própria carne – foi o veredicto que recebeu.
(Ilustração: Guaxinim (paixaoanimal.com (reprodução).
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