Ao longe, o latido insistente de um cão qual quem grita aos
astros mensagem desconhecida, e me conformo em apenas ouvir e presenciar o
escuro da noite no fulgor dos céus e suas estrelas distantes. Hora adequada a
relembrar o que passou; passou e permanece preso nos grilhões das horas que não
mais existem. E uma mera escuridão toma conta de tudo em volta. Os tempos
largados pelas calçadas numa paragem qualquer, onde circulam os derradeiros
noctívagos e os sons lamurientos do que foi nos restos inúteis dos dias e na
espera de outros momentos. Querer reencontrar as ocasiões e nem de longe
qualquer nova oportunidade de aquilo regressar, das marcas dos prazeres mortos
que, no entanto, fixam residência nos mourões da solidão das criaturas humanas.
Isto, as nuvens cinzas que persistem dizer dessas vezes em
que, de tanto amar, a gente esquece de que tudo também passaria, mesmo que
fruto de langores e carícias jamais imaginadas. Tudo, tudo, enfim, desfeito
pela cinza do Tempo que devora o que há tão pouco realizou com tanto gosto. E
por dentro, as pessoas e suas garras de ilusão, formas neutras de sentir o
espaço que escorreu pelas veias e, nesta hora, fustiga de dor o coração. Lerdos
instantes que só depois viram saudade atroz a confluir nos rios de amanhã.
Enquanto agora persistem os sons estridentes dos bichos
noturnos a vadiar pelos pastos em volta, na alma desses seres adormecidos,
quais bichos entregues à própria sorte. Fazem de si meros instrumentos de lassidão
e dúvida, objetos em movimento nas esquinas deste mundo. Vento frio repisa as
árvores silenciosas e segue rumo ao pouso derradeiro dos fulgores que descem
das alturas e acalmam docemente os corpos abandonados às poucas luzes dos
sombrios recantos, nas cidades esquecidas.
Só então dar-se conta de que outro dia virá ao sumir das
réstias amarelecidas, e que sempre haverá o senso de nunca reconhecer, no dia,
os gemidos deixados nas mesmas noites aonde seguem os dramas de vidas inteiras
na busca à claridade do Sol.
(Ilustração: Noite estrelada sobre o Ródano, de Vincent van Gogh).
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