Principalmente aos finais de semana, quando cessa o
movimento intenso do comércio, as ruas falam alto de dentro da gente. Isso
depois de haver morado tanto numa mesma cidade, que, silenciosa, revive seus
acontecimentos que vivemos no decorrer do tempo. Fácil, fácil, e vêm
desmoronando pelas encostas as décadas das velhas histórias ali depositadas bem
no coração de gente. Digo coração porque, para mim, é ele a sede da memória
propriamente dita, onde pensamentos viram emoções transformadas em sentimentos
que grudam nas paredes da existência e tatuam de fogo as almas. Lugar espaçoso,
por demais, de muitos megabits, que guarda
os mínimos detalhes, as histórias vividas nas gerações. Isto mais diante da
força dessas ocorrências que mergulham a fundo o recôndito de nós mesmos. São tardes
cinza, calmas, frias, quase sem trânsito, sem pessoas andando, e logo chegam
instantâneos bem focados desses momentos à alma, emoções fortes, por vezes
doloridas, marcadas de saudade, ânsias de vômito e desejos entorpecidos. Aqueles
mesmos personagens, que voltam, trazem neles cenas inteiras dessas horas aos
intestinos da presença que ora somos. Fugir, nem pensar, nem tem lugar que seja
de chegar, apenas a efervescência daquilo que o passado fixou e que insiste permanecer
nas abas do firmamento, a dizer que estamos vivos nos muros, nos oitões, nas
pedras, no teto das casas enegrecidas, nos armazéns envelhecidos ou reformados,
esquinas, luzes que permanecem acesas, conspiração entre o que vivemos e os
cenários daquele teatro de largas avenidas das vivências humanas, nessas estâncias
de mornas recordações, reinos e penumbra
Nesse domingo de abril, fim de tarde, isso tudo repisou de
lembranças meu íntimo sem a menor cerimônia, qual dominasse o ensejo de querer,
no entanto causa perdida e regressos insistentes, criaturas, contos vagos,
movimento lerdo, nítido, folhas secas incandescentes, e uma cidade mora no meu peito,
bicho largado vadio pelas matas virgens
da consciência; não importa o quanto alimento de visões ou imaginação, o céu
aberto de tal força logo em frente prevalece Isso que lembra, de verdade, um provérbio
africano que li, certa vez: Quando morre
uma pessoa, se fecha uma biblioteca. Registros de eternidades indóceis, assim,
nos amarram ao que vivemos, a ponto de recusar quaisquer argumentos de outras ausências,
ou liberdade, aonde quisermos ir, pois o nunca habitará sempre essa casa das
inexistências ora perene, lugar de inteira continuidade, em que imperam os atores
e diretores dos nossos próprios filmes e sonhos...
Ainda lendo e relendo....chego lá....não tenho pressa ...
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