Em 1977, quando retornara de Salvador após anos ausente do Ceará, fui resolver alguns assuntos em Fortaleza e caminhava pelas ruas centrais da capital, numa época ainda de muita hegemonia do comércio naquela área, diferente de hoje, quando existem polos de atendimento nos principais bairros periféricos e nos shoppings.
Próximo do legendário
Hotel Savannah, no auge do expediente da manhã, observei reunião incomum de
populares que presenciavam o desabafo exaltado de um homem magro, meio
franzino, pálido, trinta e poucos anos, sandálias japoneses, trajes modestos,
palavras agressivas, renitentes, tendo lá (quem sabe?) suas razões de andar
contrariado e espalhando no pé da calçada os defeitos comunitários de alguns
dos curiosos, quis deduzi, no pouco que fui ouvindo:
- Terra de muro
baixo, terra de corno - em tom de discurso e aos gritos, repetia agressões
continuadas, sem deixar claro o endereço das suas palavras, - aqui não tem
homem, magote de vagabundos. - Generalizava impiedosa cobrança em face de não
dispor de outros meios. Desespero total e absoluto, pensei, para chegar ao
ponto de desafiar tanta gente numa só ocasião.
Aos poucos se
percebia completo destempero naquelas providências. Daí, mais gente que
chegava. Anotava sinais de revolta na face das pessoas, porém até ali nenhuma
resposta concreta.
Logo, logo, de dentro
da pequena multidão, senhor alto, bem nutrido, estatura acima da dos outros
nordestinos, usando óculos claros, em camisa mangas, de semblante sério, veio
marchando incisivo e afastando os circunstantes, passos firmes na direção do
foco das atenções, aquele tal, o indivíduo falastrão a quem me reportei.
Chegado onde pretendia, fora de qualquer preparativo, aplicou-lhe vigoroso tabefe
na região situada entre a nuca e a tábua do queixo, serenando os ânimos
exaltados e forçando-o a tomar de vez um táxi Volkswagen parado no mesmo ângulo
em que se projetara, que cabe cogitar estivesse prevenido para possíveis
eventualidades, entrando pela janela da porta dianteira, tão forte o vexame do
soco recebido.
- Arranca, arranca! -
com essas palavras definiu a pronta ação do automóvel que sumiu no sentido da
Praça do Ferreira.
De honra lavada, o
povo sorriu e se dispersou. Nas imediações, apenas ficaram as sandálias do
desafiante, que, abandonadas ao chão, testificavam o aperreio daquela fuga
desastrada.
Quando um "dono da verdade" encontra quem lhe enfrente, a covardia ou o medo surgem como escudos protetores.
ResponderExcluirQue tabefe bem dado!!! Mereceu!
Emerson, grata por mais este texto para nosso deleite!!!
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