Fruto das indiferenças ou dos descasos, agem os humanos feitos quem ignora as partilhas que o Tempo fará dele e dessas pequenas criaturas. Numa divisão igual e justa, reserva surpresas mil aos elementos que circulam soltos, espécie de corrosivo químico que espalha no lençol das existências o horizonte dos bens aparentemente definitivos e retira só a parte essencial, reagente poderoso ao extremo, sem apelação ou tremor. Ao langor do Sol em movimento, dias significam esses leilões de valores que representam a melhor parte, e larga no laboratório da natureza o que sobra, triturador emérito e solvente universal.

Muito mais a falar do mistério que circula o cinturão das histórias e diverge dos caprichos, das personagens e dos impérios. Ninguém, entretanto, reserva, quem sabe?, o amor dos sonhos a nutrir nessa criatura abstrata tamanha envergadura, o respeito à fronteira entre o sólido e o gasoso, drama das horas mortas e senhor absoluto das tantas vidas. Morigerado ator das maravilhas, passeia de nosso lado, rege a orquestra dos pensamentos, administra sentimentos e ri das ilusões que envolvem as névoas dos desejos e das desventuras.
Longe, infinito, lá nas montanhas de cumes inalcançáveis, ali moram os gnomos que sustentam esse portal de experiências e oportunidades; mantêm as determinações e os limites do Senhor; e apenas observam, de olhos lavados, as preocupações dos pequenos insetos que experimentam o nascer das esperanças de, um belo dia, aceitar de bom grado viver para sempre ao sabor das sombras que passam à procura do Invisível.
(Ilustração: Foto de Emerson Monteiro).