Naquele dia, o caboclo acordou cedo, comeu qualquer coisa e cuidou de marchar para a floresta na procura de árvores velhas onde pudesse pegar mais papagaio, mercadoria de sua especialidade, que levava à feira assim tivesse boa quantidade, juntando com outros filhotes que conseguira desarranchar não fazia algum tempo.
Demorou quase nada, nem suara direito, quando avistou timbaúba velha que bem poderia abrigar entre os ramos secos ninho do pássaro. Nem chegou a se demorar, amarrou uma corda em volta do tronco esbranquiçado, prendeu-se em torno da própria cintura e escalou a madeira.
Instalado no alto da madeira, buscava analisar a superfície quando sentiu faltar o apoio dos pés. Daí afundou no vazio, de buraco abaixo, escorregando dentro no miolo podre do pau, caindo de toda a altura, desaparecendo lá na escuridão, sem a menor réstia de luz.
Depois de alguns instantes, tudo já quieto, cotejou as partes do corpo para ver se ficara inteiro tirando os arranhões inevitáveis. Apenas o bafo quente de coisa fermentada, abafada, e o silêncio pegajoso do escuro profundo.
Sem alternativa, pegou de pensar; logo medo brutal tomou de conta dos seus pensamentos. Lembrou-se da mulher, dos filhos, da casa; sentiu impaciência, desespero. O gosto que restou foi de erguer o juízo e lembrar Deus, os santos, que lhe envolveu as pisadas do coração.
- São Francisco, me ajude, meu santo! - gritou com vontade e apago à vida. Repetiu, repetiu várias outras vezes, com fervor desmedido, temperado no temor que invadia seu sentimento.
Nisso, demorou bom tempo naquela ânsia de sobrevivência e solidão. Horas passadas, fortes e desesperadoras, quando, sabe-se lá de onde, ouviu mexer fora na carne da madeira rapado de instrumento esquisito. Veja só, naquela hora morta, achou de cavar o pé da árvore inútil enorme tatu canastra que passava pelas imediações. Se animal tem curiosidade deve ser esse o nome do instinto de procurar alimento. Por isso, a salvação do caçador de papagaio nasceu das unhas afiadas daquele bicho, que rompeu o caule da timbaúba na procura do que comer.
Daquele dia em diante, jamais quis o caboclo saber de tirar ninho de ave, reconhecendo o bem que merecera por força de São Francisco.
(Da tradição popular, história que ouvi de Manoel Ferreira da Silva Manu).
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