quarta-feira, 19 de outubro de 2022

A intocabilidade dos sonhos


Matéria esquisita eles apresentam. Até de lembrar são esquivos. Desaparecem entre eles quais hábeis conspiradores. Chegam assim livres, somem libertos. São tantos que se misturam e desaparecem num abrir e fechar de olhos. Carl Jung indicava a importância de ter próximo um caderno e anotá-los, que desse jeito fica menos difícil de lhes preservar a lembrança. Falam da gente qual quem nos conhece, mas jogam duplo entre o claro e o escuro da memória. Traçam eles próprios seus enredos, invadem nossos sonos e sacodem emoções mil no palco da consciência adormecida, numa sequência de variáveis que só a eles que pertencem. E saber que nascem da gente e somem na gente. Criaturas abismais os sonhos. Por vezes trazem personagens nunca vistos ou sabidos, que trabalham situações do Inconsciente na intenção de contar algo e, por mais contraditório gesto, depois levam consigo ao tal mundo impossível de onde vêm e se perdem na voragem da escuridão noturna.

Quanto capricho há nos sonhos. Espécie de seres independente, ninguém sabe de onde tiram tamanha força a ponto de conhecer até resultados de jogo do bicho e outras loterias. Os que têm medo de assombração não imaginam que carregam consigo as mesmas visagens de que padecem temor, neles, nos sonhos, esses entes acordados que moram nas noites e nas sombras que transportamos em nós.

Cada noite eu sonho um quanto de situações. Extensões do dia, de comum mais parece que neles toco adiante ações e pensamentos desse cotidiano que vivo. Presencio momentos que dizem respeito ao comum das preocupações, no entanto preenchidos doutros aspectos e que mostram a carga de emoção, trabalho, organização dos dias lá fora. Semelhantes à continuidade em tudo, os sonhos revelam outra dimensão que a racionalidade insiste evitar, imagem nítida do conhecimento apenas relativo que ora temos do grande universo da realidade em volta. Enquanto mourejamos esse intervalo de passado e futuro, os sonhos oferecem o senso de uma estrutura plena de valores e revelações as quais ainda nos vemos longe de dominar em nosso processo evolutivo, porém, inclusivo nas ofertas que eles oferecem.

(Ilustração: Hieronymus Bosch).

Um comentário:

  1. "...Cada noite eu sonho um quanto de situações. Extensões do dia, de comum mais parece que neles toco adiante ações e pensamentos desse cotidiano que vivo. " Belo texto.🌷

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