domingo, 3 de maio de 2015

Sessões contínuas

Novidade, iniciavam em Crato, trazidas dos cinemas da Capital, as sessões contínuas. O Cine Rádio Araripe, na Rua Nélson Alencar, adotara a prática. Das 14 até 22h, aos sábados e domingos, o mesmo filme repetir-se-ia vezes seguidas, encangado que nem cantiga de grilo, com intervalos suficientes apenas à saída e entrada dos espectadores, semelhante ao que ora os cinemas adotam.

Pois bem, luzes apagadas, disparado o zumbido longo do sinal característico, de par em par abertas as pesadas cortinas marrons, revelavam-se as cenas do jornal cinematográfico da Atlântida e as notícias de três, quatro meses atrás. Depois, os trailers de próximos lançamentos; por fim, a película principal. Beleza de perspectiva no escuro misterioso do salão. 

Sentados logo na fila da frente, para ficar mais perto e, se necessário, poder chegar junto em auxílio do artista, nos apertos naturais da luta, aos olhos acesos dos meninos presos nos bang-bangs da época.

Lembro-me delas, das minhas primeiras sessões contínuas. Um filme de sábado. No início, ritual de comprar as entradas, infalíveis bombons, chicletes e sacos de pipoca. Agitação. Calças curtas. Animação. Corações sacolejantes, alguns dos colegas do Grupo Dom Quintino, ali reunidos, formávamos a claque dos torcedores do herói e de sua amada, à espera do inefável beijo dos derradeiros quadros.

Era um cowboy de cavalaria, colonos americanos e suas tropas de ocupar territórios índios, no afã de exterminar peles-vermelhas. Fardas azuis. Espadas longas. Tiroteios. Cavalos. Poeira. Carroções. E nós, acompanhando bem de perto as escaramuças.

Envolvíamos nossa paixão infantil naquilo tudo. Cruzamos a primeira exibição qual quem toma gosto num prato delicioso. Ação de ninguém botar defeito. Meus amigos gritavam de contentes em volta da fogueira festiva da tela acesa.

Da primeira à segunda sessão, não percebemos a inteira semelhança do filme. Mudando o que mudar, valia a proposta de Heráclito de nunca se tomar banho no mesmo rio. As águas são outras. Nosso corpo é outro, nas mutações celulares. 

Atravessávamos sem estirar as pernas, ou descansar a vista, o intervalo da segunda para a terceira sessão, alheios às rotinas do mundo lá fora. Nessa altura, parecíamos parte da produção do espetáculo. Nada de chegar as lembranças da realidade, pois nos víamos esquecidos de casa, da família, da cidade. Entráramos no mundo mágico da terceira projeção, achando, isto, sim, familiarizados com os detalhes mínimos dos oestes ianques.

Acordaria com a presença inesperada do emissário de meus pais; tonto, sem graça, contrafeito, retornei ao senso antes do meio da quarta sessão, quando já passava das 20h. Aflito com a preocupação que motivara, arrastado de volta à casa, organizava baixinho os meus argumentos de defesa:

- Eram as sessões contínuas, minha mãe. Sessões contínuas... E ainda ficou faltando assistir mais uma delas até completar o filme todo – (vejam só que juízo).     

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