quinta-feira, 16 de outubro de 2025

A outra identidade


De comum, vivera quantas experiências o mundo deixara que pudesse e lhe ofereceu. Nascera na carne; curtira a infância interiorana; claudicara na adolescência e na idade adulta; sendo esta onde conhecera de perto as raízes das contradições humanas. De tudo, a bem dizer, lançara mão, desde viagens astrais a sonhos químicos fantasiosos, noitadas indolentes, trançados e pergaminhos dos quatro quilates do Chão. Tivera fases sucessivas, lera livros, vira filmes, ouvira canções românticas, constituíra família, reunira filhos e netos, e exercera funções públicas, além de criar produções artísticas, desde literatura às artes plásticas.

Desajuizado, talvez, quantas horas percorrera os caminhos tortuosos de uma sociedade sempre afeita ao imprevisível e aos espetáculos noturnos. Dessa loteria onde vivera, dali vieram as interpretações. Umas, classificando a si e aos demais, na balança do impossível e dos prazeres sem conta; doutras, apenas de pequenos entendimentos e compreensões. Conquanto se conheçam, quase a ninguém assim seja. Então, ele, certa feita, num final de tarde, graças aos elementos da natureza em volta, lá foi que avistou, num transe, percorrer o céu em voltas repetidas, a contemplar do alto aquela paisagem esverdeada a viajar sobre o vale da Serra e avistar a imensidão em um voo de pássaro grande.

Passou, desde aquele dia, a considerar fosse doutro canto que não desse. Outro ser, que não aquele ora vivendo. Algo, por certo, fruto de imaginação fértil, ou do exercício de transcendência, ou estresse dos tempos atuais. Veja só, alguém a preencher um papel neste chão e supor haver vindo de outro espaço que não esse, e estar cumprindo roteiro tão-só provisório, qual ensaio do que poderia lhe acontecer logo adiante, a qualquer tempo.

Sob quais conceitos, certa noite avistaria nave sideral a lhe invadir os olhos e os pensamentos, a revisar a consciência e definir essa recente interpretação. Ele, de pronto, quedou-se noutro papel, sendo, daí, outro protagonista em nova condição, e se viu, pois, recebido pela equipe de bordo daquela composição, nisto esquecendo de vez e de tudo quem fora, o que vivera, largando à margem o que cumprira naquele ente só provisório, nisto deixado atrás, num abrir e fechar de olhos.

Mais que dizer, ficaria sob o domínio dos que acompanharam a narrativa até agora, em face da necessidade pura e simples de revelar isso, uma troca absoluta de identidade, verificada naquele instante inesperado.

 

De repente, enquanto caminhavam e conversavam, apareceu uma carruagem de fogo puxada por cavalos de fogo que os separou, e Elias subiu aos céus em um redemoinho. 2Reis 2:11

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