Nas horas de tardes mornas, quando apenas os pardais escarcaviam o silêncio das árvores de outubro há pouco refolhadas no calor da estação e o rádio toca velhas canções de saudade, o coração da gente sacoleja no peito falas de um jeito surdo nas apreensões da solidão. Da lucidez do momento, algo sagrado reponta nas frestas calorentas das janelas fechadas. Nisso, andarilhos idiotas param nas esquinas em busca de rever amores perdidos, barbas por fazer, sacos encardidos nas costas e um drama aceso nos olhos tristes. Apenas ausência de outras horas, outras terras, enquanto o relógio monótono desconta cada segundo, aos passos cadenciados dessas moendas informes nas entranhas, que pedem paciência de mãos estendidas ao infinito dos céus intenso e de poucas nuvens.
Aqui dentro, nesta sala enorme
de vazios preenchidos de trastes provisórios, na luz da esperança contida nos
sonhos que desvanecem de manhã, a.fome sorrateira de novidades se arrasta
preguiçosa pelas galhas retorcidas de um cajueiro no jardim. Lágrimas em poças
ainda recentes rebrilham mais que as tintas dos carrões de luxo que
deslizam entre motos e semáforos, rápidas bólides que fogem nas malhas frias
das ilusões desfeitas, enquanto uns silêncios impacientes de novo apresentam
seus credencias às portas do calor em curvas ascendentes.
Quer-se fazer assim de modo à
toa coisas antes feitas de forma inútil, para reter o tempo em nós, porém as
faces do presente reclamam folhas novas às árvores da vida. Pois amores
flutuantes ainda persistem nas trilhas do depois, acalmando a sede exangue de
prazer que fustiga os sentidos, num clamor de rês desmamada, sabendo, contudo,
ser do eterno o direito próximo dos prazeres estéreis que ficam feitos fiapos
atrás e durante o percurso do espírito no caminho da luz resplandecente, nas
frias madrugadas abissais.
Quereres atrozes na carne
chamejante de paixão... Doces espasmos de máximas culpas... Descem os bichos à
represa para beber água no açude ao sumir do dia. Eu, aqui, vulto pensante das
notas siderais do ser, me olho por dentro da casa que sou e revejo
possibilidades acesas na sombra que se desprende longa no estirão do sol em
busca do poente. Quero a tranquilidade do vôo cósmico das garças ao longe,
espantos que refulgem de tintas brancas o azul esmaecido que moldura a tarde
melancólica.
Cá em mim esta oficina que
desentorta pontos de interrogação em soberbas exclamações, dispostas perante
todas as peças do cômodo em que me acho preso, neste entardecer das
horas impacientes. Olho aflito o eu que resiste e sabe que sairá incólume do
outro lado das cercas interpostas no trilho do gado que volta ao pouso,
transcorrido o percurso definitivo do Sol em mais um turno.
Pensamentos feitos fumaça
escorregam altivos pelas dobras da saudade e insistem na contínua fiel
luminescência ecoando nas paredes toscas deste tórax ansioso, qual grito
compassado e aflito de sabiás distantes, a reverberar na mata cinza o verão
impiedoso de sertão sofrido, vozes misteriosas da noite que se aproxima em
longas passadas inevitáveis.
Um aviso claro escreve-se no
círculo solar, brasa rubra em tudo isso: Amor e paz que desfiam certezas ao
coração das pessoas diante do modo de viver aquilo que nos é dado em cada vez,
com força e persistência da certeza definitiva da verdade.
(Ilustração: Fahrenheit 451, de François Truffaut).
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