Chegamos em Crato, eu e minha família, no segundo semestre de 1953. Morávamos antes na zona rural, em Lavras da Mangabeira. De início, permaneceríamos algum tempo, meses apenas, numa casa da Rua José de Alencar, entre José Carvalho e Pedro II, quase no centro da cidade. Daí, no mudaríamos para um bangalô, residência de dois andares, construída por Pergentino Silva, na Rua Padre Ibiapina, Bairro Pinto Madeira, onde, na década de 70, instalariam por algum tempo a Prefeitura Municipal e outras instituições, para hoje abrigar a Escola Tia Joana.
Ali nos demoraríamos dez anos,
enquanto meu pai construía, no lado de cima do mesmo quarteirão, a casa que até
hoje ocupa, voltada para a Rua São Francisco, esquina com Vicente Tavares
Bezerra.
Essa fase da vida em que passamos naquela casa de dois
andares marcou época cheia de acontecimentos de minha infância os quais guardo
na lembrança com carinho especial. A residência ocupava área central de um
pátio elevado acima do nível da rua em que cresceram nove mangueiras e outras
árvores, cercadas de muro em ruínas. Nesse território de barro vermelho
transcorreu minha segunda infância, entre meus irmãos e os meninos da rua, meus
convidados às brincadeiras mais diversas, desde jogo de bola, bila, triângulo,
pião, carrinhos, esconde-esconde, come-on-boy, contação de histórias,
alternados pelas safras disputadas de manga, pinha, seriguela.
Anos a fio, não conto as chances
de largar mais cedo os livros para pisar no chão de terra batida, solitário ou
acompanhado; subia nas árvores e permanecia horas e horas a olhar o fluir do
tempo, na distância que aquelas alturas permitiam.
Quando chegamos e durante alguns
anos, não existia calçamento na rua, a facilitar as brincadeiras dos tantos que
ali se encontravam, de quem lembro alguns nomes: Aroldo, Chico Zé, Aglézio,
Assis Brito, Beto, Chico Antônio, Zé Roberto, Jaime, Lindolfo, Junival, Flávio,
Renato, Jorge Ney (meu primo), Everardo (meu irmão), Ivan, Ivanildo, os filhos
de Bianor, Otacílio, Vavá, Zé Nilton, sob faixas etárias díspares, mas pessoas
aproximadas quais de uma só família.
Dada a distância do centro
comercial urbano, formávamos comunidade de características próprias. Nas
noitadas de fim de semana, fôssemos à Praça Siqueira Campos, lá nos
encontraríamos em banco particular com toda a turma, para retornarmos em blocos
quando voltássemos à casa.
Por longo período, a energia
elétrica quase não chegava no lugar. As tochas de luz avermelhada, acesas na
cabeça dos postes de madeira, geração da turbina da Nascente, indicavam tão só
o rumo da rua, sem iluminar duas braças além do seu contorno. Nas noites
escuras, sentávamos, então, no fio de pedra da calçada do Abrigo dos Velhos, em
frente de minha casa, a contemplar as estrelas e estender longos papos a
respeito de tudo. Houvesse luar, e o mistério daquelas horas ganhava conotações
românticas, sonhos de menino em tiradas democráticas, diante da participação
indiscriminada dos presentes.
Ali circulava o desenrolar da atualidade, trazido nas ondas do rádio de válvula e nos raros jornais e revistas que penetravam o interior isolado. Religião, futebol, humor, criminalidade, amores, viagens, estudos, guerra, folguedos, história, música, fantasia, visagens, sonhos, passeio nos universos individuais dos participantes das reuniões mantinha o clima mágico, repetidas vezes. Ninguém se fartava de ouvir e narrar seus conteúdos, na espontaneidade que sei agora funcionou de primeira escola aos que nela depois reconheceriam sua importância para a formação de cada um de nós.