Quando criança, um dos divertimentos que adotava, nas tardes do sítio onde vivi até os quatro anos, era permanecer num dos cômodos da casa a observar, no escuro, as sombras invertidas das pessoas e dos bichos, que transitava lá fora, a se projetarem na parede defronte a uma das janelas. Nessa brincadeira me demorava boas horas, admirando o movimento da luz e suas imagens inversas que causavam espécie na minha imaginação, a criar histórias mágicas daquelas figuras animadas.
Depois de muito tempo, soube que o cinema se
faz dentro da mesma concepção ótica. Através do espaço exíguo da fresta das
janelas se dava a recriação do mundo lá de fora, em processo físico da
inversão, qual na objetiva das câmaras. A decomposição das imagens e o sistema de
elaboração dos fotogramas estabelecem o discurso do filme.
Desse modo, avalio os textos que enfeixei no
corpo deste livro. Desde a posição pessoal do indivíduo, abri meus olhos a
testemunhar as coisas que vão aqui em forma de prosa. Histórias que ouvi dos
meus avós, li nos livros, ouvi e ouço de meus pais, irmãos, amigos, conhecidos;
lendas populares, fábulas, contos da tradição oral; ocorrências presenciadas
nas ruas, nos sonhos; e tantas avaliações decodificativas da imensa realidade
que me cerca a todo instante.
Qual janela aberta ao mundo daí de fora, me
ponho neste cômodo que sou eu a contemplar o movimento da luz dos
acontecimentos a se projetar nas paredes de mim mesmo; e transformo em
palavras, frases, idéias, contextos, blocos de significados contínuos, na
intenção de estabelecer relações inteligíveis com o mundo, na mágica do
conhecimento humano.
Pois somos testemunhas privilegiadas do
Universo. Muitos contam logo a experiência; outros a guardam para contar
noutras ocasiões mais indicadas. Uns escrevem; outros desenham, pintam,
fotografam, filmam, cantam, bordam, colam; passeiam, compram, vendem, guardam,
esquecem, conversam, arquitetam, esculturam, reproduzem; vivem...
A vida, enfim, encarta essas experiências de
ler na luz da existência as figuras que se projetam cá dentro da gente. Através
da infinita comunicação buscamos transmiti-las aos outros seres, no objetivo de
somar e dividir a um só tempo, oportunidade ímpar de conhecer, se conhecer,
interpretar e comungar da essência de viver com intensidade que o mundo oferece
a cada dia.
Eis o motivo denominar CINEMA DE JANELA a
mais este livro que ora deposito em suas mãos, naquilo que consegui reunir de
resgate dos meus dias já passados e das melhores imagens que deles retive na
consciência.
Juntos, vivamos a experiência rica de
existir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário