Recolhida a cadeira tipo preguiçosa, estatura mirrada, retorcida no próprio espinhaço, de cabeça pendente, sem o domínio das pernas, quase nula dos braços, resistia viva há mais de quarenta anos, sob o auxílio de parentes. Filha de mãe pobre habitante das margens do Rio Grangeiro, perto da cidade, imediações da atual Ponte das Piabas. Sua mãe namorara incerto homem casado, chegando a engravidar, motivo da vergonha dos pais, que só aceitaram a criança pela rara beleza de que fora dotada, trazendo alegria aos quantos desfrutavam do seu convívio. Próximo dali morava uma vizinha que possuía uma neta não tão esperta e cativante, o que lhe deixava triste.
Certa tarde, enquanto a mãe de Regina fora à bênção na Sé Catedral, a avó, levando consigo Regina ainda de berço, desceu ao rio para buscar umas roupas estendidas. Durante alguns momentos, a menina ficara apenas sob os cuidados da vizinha que lá também se achava na ocasião, porém esse tempo foi o suficiente para ela aplicar, com um porrete de madeira que usado para bater a roupa, golpes vigorosos dirigidos nas costas do bebê, à altura da espinha dorsal.
Ouvidos os gritos, apressada, a avó retornou sem nada considerar de anormal. A mulher disfarçara o crime. Nos dias posteriores, arrumou seus pertences e logo mudou de endereço. Quando os familiares de Regina perceberam o que acontecera, seria tarde demais; na ação perversa, a vizinha inutilizara quase por completo aquela criança.
Alguns anos transcorridos, num dia de feira, as duas avós ainda trocaram opiniões sobre o ocorrido daquela tarde. Os argumentos da vizinha invejosa demonstraram completa inocência, pois ignorava tudo sobre a perversidade.
Daí, Regina cresceu doente, prostrara-se como a conheci. Segundo ela, tempos depois, já na idade adulta, uma madrugada, sem saber da morte daquela senhora, acordou vendo intensa luz dentro do quarto em que dormia. No clarão, acompanhado de forte ventania, divisou nítida a figura de uma freira, de rosto ameno, sorriso nos lábios. Ela, então, perguntou a Regina se poderia perdoar a quem tão cedo lhe prejudicar, roubando-lhe a saúde e os seus movimentos. Pensou um pouco, avaliou tudo, o passado difícil, sua história, lembrou-se de sua mãe, dos avós desaparecidos, e de Deus. Não viu por que guardar mágoa, rancor, nem sede de vingança.
- Perdôo, sim – foi o que respondeu.
Daí, num crescendo intenso, principiou a ouvir longe uma voz sofrida que pedia: - Regina, me perdoa? E a voz veio se aproximando a repetir o pedido: - Me perdoa? A cada repetição, ela ia respondendo: - Perdôo... Perdôo... Perdôo...
A voz aproximou-se mais e ouviu alguém abrir o portão de ferro do jardim, chegando junto da porta da frente, refazendo o peditório, silenciando no instante em que caiu em prantos. De novo tudo voltou a ficar calmo e o silêncio reinou pela madrugada.
Eu, atencioso, só escutava a narrativa. O tempo passara e me despedi emocionado. Fiquei de voltar outra vez, houvesse oportunidade.
Naquela que seria a minha terceira visita, me vi surpreendido com a notícia de que fazia um mês que Regina deixara este mundo. Deste modo, além das lembranças do seu aspecto de pessoa sofrida e conformada, dela tudo o que guardei deixo aqui contado nestas palavras escritas.
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