Acreditávamos que tudo seria diferente a partir de nós, os agregados maiores da sorte impossível. Farrávamos só alegria o ano todo, isso longos dias, longas madrugadas, pelas quermesses, tertúlias e matinais. Os gênios da amplidão afinal haviam nascido diante do domínio das bestas insensatas. E tomaríamos territórios e territórios, e que viessem os demais.
Chegávamos aos tempos trágicos do Vietnam, quando reservistas fugiriam da grande nação americana rumo ao Canadá, à Suécia, rasgando os alistamentos. Aceitariam o inevitável do anonimato das lamas do Woodstock. Hippies espalhavam flores pelo mundo afora. A contracultura impunha derrotas ao sistema vigente. Amor livre, drogas campeando soltas nas tardes frias e noites de amargura, porres mil, alimentação oriental, jornais alternativos, mochilas e sacos de dormir viajando ao vento nos ombros emblemáticos dos dourados sonhadores, ausência de um tudo, guitarras ferindo as tradições, prisões, repressão, angústia e desespero.
Uns acharam indicado percorrer matas e organizar trincheiras. Outros montariam fazendas coletivas psicodélicas, institucionalização da pobreza e da fome, uma revoada geral de anjos alucinados pelos dramas de nenhuma possibilidade que demonstrasse a realização plena do sonho daqueles poetas cantores. Houve espécie de polarização nos festivais das canções, os autênticos das raízes populares e os santos das novas tradições urbanas, usufruto da cultura dos poetas das estradas.
No Brasil e noutros países latino-americanos, no entanto, o capitalismo internacional instalava os modelos dos regimes totalitários. O brilho desaparecera pouco a pouco, ao sabor das derrotas sucessivas. Só a saudade envolveu aqueles embriagados corações alucinados, final esse a lembrar com fidelidade poema clássico de Manuel Bandeira: - Estão todos dormindo / Estão todos deitados / Dormindo / Profundamente.
(Ilustração: Fotografia de John Olson, Hippies anos 60).
Como sempre o poeta escritor retrata com maestria fiel o percurso de uma geração que marcou a história.
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