quinta-feira, 25 de setembro de 2014

4.732

Sempre que retornava, ali estava ele, 4.732, a lhe esperar de braços abertos, às vezes com um buquê de rosas amarelas escondido atrás das costas, para logo explodir num riso franco, a mostrar todos os dentes, enquanto passava o outro braço pela sua cintura feliz, altaneira. Um par perfeito, ela e 4.732. Ninguém de consciência em ordem acrescentaria qualquer mácula àquele relacionamento de promissão.

Viajasse, jamais 4.732 deixaria de mandar-lhe mensagens variadas nos meios ao dispor, épocas eletrônicas digitais, fossem de transatlânticos, aeroportos, “shoppings”, livrarias... Importava que não lhe restasse esquecido o contato de sonhos que alimentavam qual raça de bicho em extinção, amor de almanaque que vivia às 24 horas, nos tempos de ecologia militante dessa fase da civilização, chovesse ou fizesse sol, razão primeira de várias existências juntos.

Numa dessas andanças por esse mundo, atravessou pelo juízo de 4.732, tipo de bólido intruso, pesadelo doloroso, quando, em lampejo onírico, simulou-se um retorno sem a presença de um deles dois, que ela houvesse buscado por ele sem achar, frustração de não ter mais tamanho, contudo fora de quaisquer cogitações, porquanto alimentavam durasse a relação infinitos mundos e séculos eternais.

Depois daquilo, precedente funesto de haverem perdido contato ainda que em sonho, 4.732 desconfiou que algo de anormal pudesse conspirar, quem sabe para desaguar num dia comum?, a ocorrer no fluir das tantas reencarnações por eles já vivenciadas com êxito pleno, a ponto de nutrirem a certeza certa de um par perene.

O pensamento plasma acontecimentos quando fixado na intensidade suficiente. Mas não se pretende considerar que essa realidade visse pelo pensamento. No entanto, belo dia de verão, sol aberto, céu claro de poucas nuvens, brisa quente no rosto suado, ela chega em casa após dia de trabalho intenso. Baixou os pacotes sobre a mesa da sala de jantar, passou a vista pelos diversos cômodos, e nada que denunciasse a presença constante de 4.732, caso permanecesse na cidade. 

- Beeheeem!!!!?????... Beeeeeheeeeem?...

Estirou o longo pescoço de dama distinta aos quatro cantos do quintal, e um vazio dolorido de quando a pessoa amada se ausenta sem deixar vestígios além do augúrio da saudade a perfurar vertigem na barriga dos medos abandonados antes de encontrar a pessoa amada, esperança boa. Nenhuma vivalma fez o gesto de entrar no palco do instante.

Ela viu-se preocupada ao notar primeiros sinais de impaciência aparecendo por baixo dos lençóis frios da cama por fazer da manhãzinha, na pressa de sair para o trabalho. Esquecera de fechar a janela, nem perguntara a 4.732 quanto ainda permaneceria em casa antes dos compromissos vespertinos.

Desceu a escada sinuosa rumo ao porão. Nisso percebeu as lágrimas rasgando caminhos do peito através dos olhos ressecados e descer rugas abaixo que lhe habitava o rosto, nos trilhos laterais do nariz, preço que pagava por dormir pressionando a face contra o travesseiro cheio de ervas do campo.

Na solidão invasora que chegava de surpresa, apenas conseguiu recolher as roupas secas do varal, antevéspera de chuva ligeira que lhe misturava o choro, na fisionomia lamacenta dos derradeiros resquícios de maquiagem improvisada no escuro da madrugada. As réstias escassas de luz trouxeram ao espelho marcas finais da lembrança que para ela agora retornavam longe, visão preciosa de 4.732 a puxar uma mala pelo galpão da rodoviária barulhenta, despedida suave e silenciosa dos dois, só sob o testemunho dele absorto. 

Um comentário:

  1. Tão real este texto! Espetacular! Quantas pessoas se enquadram neste texto... todas aquelas que fogem à uma realidade que não pode mudar, então passam a viver um sonho dourado entre partidas e chegadas. Quando por um acaso perde o contado ou se depara com uma ausência sinleciosa, vem a tristeza, a saudadade e a solidão. Mas como assim saudade e solidado de alguém que vive apenas no sonho? Acredite, este sonho faz a vida de alguém transformar-se em momentos de alegrias e paz. Ler um texto, ouvir uma música, não sabe a quem é dedicada, ou a quem se refere, mas não importa, faz de conta que é a ela dedicada. E assim seu dia cinza transforma-se em um dia de sol. Parabéns! Que belo texto,!!!!

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