
Pois bem, esse homem até se orgulhava disso: Ninguém se livraria das suas tenazes; ninguém, quando preso, fugiria dos atrozes mecanismos. O Infinito, porém, justo e sobranceiro, guarda lá surpresas, na ronda dos aparentes ditames da monotonia do tempo.
Dias e noites passavam céleres, até que, durante festa de insistentes brindes, perante vasta multidão, o ferreiro, animado além do tanto nos assuntos do vinho, excedeu-se em palavras, deixando vazar segredos inconfessáveis aos quais chegara por via do prestígio adquirido junto à cúpula do Santo Ofício. Na carraspana, revelara notícias que determinariam seu próximo destino feito nas armadilhas da língua.
Coisa pior não poderia acontecer. Cairia desse jeito nas garras mortíferas do mesmo tribunal a quem servira com esmero. A equipe dos doentes espirituais, por meio de julgamento sumário, cuidou da sua condenação, ficando desfeita a velha aliança de ferreiro e cliente.
Após o pesadelo das primeiras horas, ele despertou desnudo em solo úmido de infecta masmorra, colado de frio a pedras ásperas. Sentiu preso nos pulsos pelos crivos de metal enegrecido. Entre dormido e acordado, buscou esperanças no manuseio profissional dos mecanismos que o retinham junto da tosca parede.
Recobrou lentamente os sentidos para perceber (qual surpresa desagradável!) que se via atravancado nos braços e pernas por dois pares das algemas que produzira na quase na véspera da infausta comemoração onde perdera a liberdade, sentenciado ao merecimento torpe que antes auxiliava outros a experimentar.
Em seguida e desencantado, se rendeu a esperar o improvável, como ocorre nas situações semelhantes, quando na medida com que medirmos medir-nos-á também a nós.
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