Dentre os livros escritos por (François-Marie Arouet) Voltaire, há pelo menos dois que significam momentos excelentes da boa literatura universal, dados o estilo claro, humorado, e a pura diversão que representam, espelhos primorosos da condição humana. São eles, Cândido ou o Otimismo, e Zadig ou o Destino. Neste, dividido em capítulos curtos que descrevem a vida tumultuada de um babilônio através de alguns povos orientais (cheio das saídas astuciosas do Pedro Malasartes nacional), o personagem-título, depois de vendido escravo a mercador árabe de nome Setoc, acompanha seu proprietário na cobrança de 500 onças de prata emprestadas a um hebreu mau pagador.
Na ocasião do empréstimo, duas outras pessoas presenciaram a transação, porém elas morreriam no período, ocorrência favorável ao instinto velhaco do devedor. Chamado pelo credor a honrar o compromisso, o judeu alegou não devê-lo, porquanto havia absoluta falta de provas da conta.
Desapontado, Setoc dirigiu-se a Zadig, cativo de sua confiança, e segredou os pesares do acontecimento, na busca de apoio.
Após ciente do desgosto do senhor, Zadig quis saber em que lugar os dois tinham realizado a negociação do empréstimo:
- Em cima de uma grande pedra – tornou-lhe o mercador – que fica ao pé do monte Horeb, conta Voltaire.
Em seguida, inteirou-se a propósito das principais características do devedor, indo ambos comparecer em juízo, instância que restava para promover a cobrança.
Exposta a causa na audiência, o magistrado solicitou as provas do débito, no caso, o depoimento de testemunhas. Zadig alegou, em defesa, que testemunhas não mais existiam, porém enorme pedra poderia substituí-las, restando apenas que o julgador emitisse ordens para que a procurassem e trouxessem, naquela hora, e tudo se resolveria.
Intrigado com a proposta, o juiz prosseguiu nos despachos da sua atividade judicante. Ao término dos trabalhos, em tom de gozação, dirigiu-se a Zadig e perguntou:
- Então, ainda não chegou a vossa pedra?
Nisso, o hebreu tratante embarcou na galhofa do magistrado e, rindo, considerou que ela não chegaria nem no dia seguinte, vez localizar-se a mais de seis milhas e serem necessários quinze homens para removê-la.
Hábil, Zadig manifestou de pronto o seu triunfo, reafirmando que a pedra, sim, serviria de testemunha do empréstimo. Ao identificar o sítio em que achá-la e conhecer a sua dimensão, assim o réu confessava a autenticidade do débito sobre cuja pedra contraíra.
Diante do encaminhamento lógico dos acontecimentos, outra alternativa não restou ao credor senão reconhecer a dívida que negara, recebendo a sentença de permanecer amarrado à pedra, sem comer, nem beber até pagar a conta.
O célebre autor francês conclui acrescentando que, depois do sucedido, Zadig e a pedra passaram a ser muito celebrados na Arábia.
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