quarta-feira, 22 de junho de 2022

O senso do eterno agora



Ver de frente o movimento dos corpos pelo espaço sujeita isso de causar espécie na vertigem mórbida de assistir ao desaparecimento quase imediato das paisagens e seus elementos, dentre eles nós mesmos. O que quer significar senão um tipo de êxtase da ausência inevitável, perdidos que fossemos nas ondas insistentes do Tempo, ou do eterno vir a ser desse fluir constante. Tal desejo insano de imortalidade assim vivem os que pensem nisto ou não, porquanto há uma larga distância entre ser e ter consciência de ser. Eles, nós aceitamos este capricho dos acontecimentos de engolir as peças do tabuleiro do agora numa fração de segundos. Qual dentro da respiração intermitente, agônica, aflita, pulsa nos astros essa fome insaciável de reiniciar o parto dos objetos e seres, pois são eles os atores que caracterizam a paisagem e os humores do Tempo, na digestão de tudo sem outra indagação que fosse. Seria um fenômeno impossível, mas realimenta em si o firme prazer de tragar as criaturas que dera início, numa ação caprichosa de partir em mil pedaços o que eram suas mesmas partes, fontes semelhantes, nos laços invisíveis de amoladas presas. Nuvens que antes formara viram meras ausências do que pusera em prática. Nutre e devora; devora e se nutre, ao ritmo assustador do futuro sobre o presente e do presente sobre o passado, pulmão avassalador dos sóis que devoram as noites mais escuras do Universo e acendem os dias claros da aurora que irá devorar logo em seguida ao calor de outros sóis.

Outrossim, fervilha na alma das criaturas humanas o firme anseio da imortalidade, atitude adversa, no entanto, à razão do Tempo de alimentar seu abdômen pelas garras do fascínio de si em mergulhar no abismo das horas que passam. Suposto fole de ferreiro, avança numa peleja candente da função que executa, ele autor e senhor do que faz. Junto de nós, passo a passo, assiste intimorato o volteio das aves na sofreguidão dos ares que também se desmancham e que fomos nós, enquanto reproduzíamos as luas no declinar das gerações agora inexistentes. Todos, de olhos postos no infinito, quando assistem cordatos à inevitabilidade que revolve nas próprias entranhas, testemunhas da certeza desse próximo desaparecimento, porém fieis ao sentido de um encontro que lhes aguarda de braços abertos a saborear com incrível sofreguidão os entes luminosos que existirão para sempre. 


Um comentário:

  1. Nada nesta vida é eterno, nós pensamos que não é, mais é. Tudo neste mundo é finito. Muitas vezes chegamos a pensar que não. No entanto quando paramos para pensar nos damos conta de que tudo passa...

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