sexta-feira, 24 de junho de 2022

Vazios entre pensamentos e palavras

 


Todo eu sou qualquer força que me abandona. Fernando Pessoa

Isso de sermos entes que vagam pelas nuvens de si mesmos quais clareiras de inexistências a meio mastro do que fomos todo instante o que não mais houvesse, de ser matéria que alimenta lá longe os céus, enquanto isto sermos restos de pequeninos objetos ainda apegados ao rebanho de seus sonhos, daí formar pensamentos e palavras, anseios e liberdade, guardados no íntimo das almas famintas.

Exato nesse campo aberto das criaturas, árvores a pedras, gravetos servem de almoços de lama, objetos rudes que saem das linhas de produção nas fábricas escuras; aviões supersônicos de guerras inúteis; curativos usados e jogados na sarjeta onde habitam os bêbados esquecidos; portas lacradas de edifícios no isolamento das pestes; tradicionais aventuras de alpinistas descrentes dos gestos e das cores; aves de arribação que voaram pelo abismo da lonjura, tontos; equipamentos de mergulho abandonados ali assim na praia dos dilúvios universais; apartamentos largados fora em cidades poluídas, fechadas ao firmamento; nortes de bússolas enferrujadas; trastes arriscados em mãos mais delirantes; largas avenidas cobertas de lodo e pó; no entanto as telas dos cinemas de antigamente que insistem projetar os filmes amarelecidos nas salas escondidas dos mistérios que ora somos, neste chão de aço.

Fica, portanto, esse gesto apressado de formar a compreensão no silêncio que alimentamos de sorrir, viver, amar. Vemos, sentimos forte a presença das ondas monumentais que querem devorar as nossas entranhas todo tempo aos pinos da velocidade incontrolável  do que vai para sempre.

Um grito secreto dentro de todas as tais existências vira perguntas, quais sejam elas a que vêm?!. Ninguém que se preze deixará de lado a interrogação que pesa no horizonte. Meros sinais de prováveis respostas, nisso rasgam o interior dos livros, das flores, dos automóveis pelos corredores do inesperado, buscas, entre ritmos e melodias que vagam no sentimento dos gestos adormecidos.

(Ilustração; Hieronymus Bosch).

2 comentários:

  1. Pessoas, sentimentos, luzes, fé, esperança , um misto de certezas, incertezas, preenchem um vazio no coração de quem vive um sonho. Maravilhoso texto!🌹💫

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