sábado, 29 de maio de 2021

O Campo de Concentração do Buriti


Diante da ocorrência da grave Seca de 1932, vista como uma das piores verificadas durante todo tempo no Brasil, visando prevenir o possível deslocamento dos sertanejos para a zona urbana de Fortaleza, o governo do Ceará instalou sete campos de concentração de retirantes, pratica adotada antes, na seca de 1915. Tais campos seriam instalados em Crato, Senador Pompeu, Quixeramobim, Patu, Cariús, Ipu e Fortaleza (nos lugares Otávio Bonfim e Urubu).

O campo do Crato localizou-se nas cercanias atuais do bairro do Buriti, trecho correspondente às margens da linha férrea desativada, próximo de onde funcionou a antiga usina de açúcar, que ora abriga a fábrica de papel.

Transcorria a era getulista, período esse correspondente a duas grandes secas: as de 1932 e 1942. Naquele tempo, ações de emergência sofriam restrições de modo e intensidade, conforme o contexto nacional e internacional e os pactos firmados junto às oligarquias estaduais.

Os campos próximos a Fortaleza reuniram em torno de 5,5 mil pessoas. O do Buriti, por sua vez, programado para uma lotação máxima de cinco mil, chegou a manter 18 mil no período de maior intensidade. O comando desse campo coube ao tenente João de Pinho, do Exército Brasileiro.

Nos tais campos de refugiados, também denominados currais de flagelados, na linguagem popular, houve registro de epidemias diversas, com óbitos em massa, além de reações e levantes, qual registra Irineu Pinheiro, dia 13 de maio de 1932, no livro Efemérides do Cariri: Revolta no campo de concentração de flagelados, no Buriti, lugar próximo do Crato cerca de meia-légua. Limitou-se a uma das secções do campo o movimento subversivo, que foi logo abafado.

Ainda que livres em certas horas para circular fora do campo, os refugiados recebiam ração constituída de derivado da mandioca (conhecido por farinha do barco), de cor amarela, trazido do Estado do Pará, cuja má digestão causava males digestivos e insistentes mortes. Em virtude da desnutrição e de doenças, morria gente todos os dias, e um caminhão passava recolhendo os corpos no final da tarde para jogá-los em valas na parte alta do campo, afirma a historiadora Rosângela Martins.

Naquele ano, à época da moagem, por volta do meio do ano, levas de refugiados saiam pelos brejos do sopé da serra, na busca de alimento. Derivados da cana e o pequi auxiliaram sobremodo na preservação das vidas, apesar de existir ordem expressa do comando do campo para que os proprietários dos engenhos não fornecessem alimento aos famintos. Alguns desobedeciam, a exemplo de José Pinheiro Gonçalves, no sítio Belmonte.

Segundo a historiadora Kênia Sousa Rios, os campos Eram locais para onde grande parte dos retirantes foi recolhida a fim de receber do governo comida e assistência médica. Dali não podiam sair sem autorização dos inspetores do Campo. Havia guardas vigiando constantemente o movimento dos concentrados. Ali ficavam concentrados milhares de retirantes a morrer de fome e doenças’ (in ‘Campos de Concentração no Ceará: isolamento e poder na seca de 1932’).

O mesmo estudo informa que, entre abril de 1932 e março de 1933, pereceram mais de 1.000 refugiados somente no Campo de Concentração de Ipu.

Ao final da malograda experiência de controle social, no Cariri, restaram centenas de crianças órfãs, muitas delas que aqui permaneceriam, abrigadas por famílias da Região.

(Ilustração: Foto de Wilton Junior, Estadão).

2 comentários:

  1. Excelente conteúdo, com narração clara, levando nossa imaginação a percorrer aqueles campos onde nossos irmãos nordestinos foram tratados como animais.
    Confesso que me deu medo e asco...

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