sábado, 2 de setembro de 2017

A ida do meu pai

Tal qual em tantas das outras manhãs, também naquele dia visitava a casa deles, dos meus pais. Ele há dois dias estivera no hospital, a fim de receber transfusão de sangue, visto o estado em que se achava. Acompanhei de perto, com dois dos outros filhos. Vira o quanto de dor sentiu ao ser transportado na maca. Sempre forte, valente, resistente, daquela vez exprimira, nos olhos e nos gestos, o tamanho da dor dos males que atravessava. Demorou pouco e regressou ao lar antes do anoitecer.


Assim, no terceiro dia, cheguei, ao meio da manhã; entrara no quarto de minha mãe, recolhida ao leito, e vira que a enfermeira, numa outra das dependências da casa, a ele ministrava a refeição matinal. E saí à varada, onde permanecia, quando, logo em seguida, a enfermeira me procurou apressada, chamando a que fosse aonde, minutos antes, estivera observando alimentá-lo. 

Entrei de imediato. Sentado, apoiado num travesseiro e exangue, esquálido, a primeira impressão do que via naquele corpo era que ele não mais se achava presente na própria matéria. Sumira pelo ar, quero dizer deste modo. Cabeça pendida para trás, olhos vazios, fixos no teto, e a boca entreaberta. Síncope. Um susto tomou-me de vez, invadiu as percepções de mim. Toquei-lhe no braço, quente de vida, porém imóvel, inútil. 

Emoção profunda contorceu meus sentimentos. A realidade real, a dura realidade da morte face a face na geografia das coisas. Uma ausência indesejada tudo envolveu num átimo. Quanta solidão, milhões de distâncias percorridas; mero exclusivo segundo de relógio que nem existia, afinal. Qual filme vertiginoso, transcorrera a história inteira da nossa existência familiar. Então, explodi de pranto desconhecido, misto de amor e saudade. As servidoras cuidaram logo de me oferecer uma cadeira. Sentei e pedi água.

Sem nexo, apático diante do inesperado, aos poucos regressei de volta ao solo. Fora de outras cogitações, fui tratando de ligar aos irmãos, a dividir, em passos lentos, o impacto do acontecido. 

Tudo que posso dizer, no entanto: - Ele já não estava mais ali. Retirara do espaço dos outros a fração de eternidade que o tempo lhe trouxera, e, de chofre, agora só a ele pertenceria.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário