terça-feira, 11 de setembro de 2012

O leito de Procusto



Em cada texto busco mostrar as surpresas do inesperado, ou pouco esperado, somando elementos do conto na crônica, ou da crônica no conto. Tanto é que não sei dizer bem qual gênero literário adoto, se conto ou crônica, ou se os dois, ou apenas gesto reunido das falas de quem conta, enchendo papel, decerto. Nessa busca do dizer insisto recontar coisas ouvidas, vividas, no afã de registrar momentos que somem e  deixem ecos grudados nas paredes do pensamento.

Sob tais considerações, quero falar em Danastes, estalajadeiro de Eleusis, da mitologia grega, apelidado Procusto – o que significa o esticador.

Modelo torto de justiceiro da Antiguidade, nas terras em que habitavam anões e gigantes; daí, Procusto resolveu consertar as diferentes estaturas dos seus hóspedes a um modo esquisito e cruel. 

Na intenção de padronizar a estatura das pessoas, construiu cama na altura dele próprio, de tamanho médio. Quem chegasse ao estabelecimento, nela deveria dormir. Caso não coubesse na medida prevista, por ser maior, teria cortadas as pernas. Na alternativa inversa, ver-se-ia esticado até o tamanho do leito padronizado.

Assim, pois, viajantes desavisados passavam pela horrível experiência de adaptação, submetidos ao instrumento construído pelo maníaco dono da estalagem, na lenda grega.

Semelhante prática guarda equivalência com o estilo da justiça suposta, praticada, sobretudo nos regimes totalitários, ou nas ideologias fundamentalistas, religiosas ou políticas, espalhadas na História.

Procusto exercitava, a jeito doentio, tipo de nivelamento social equivocado, aplicando justiça particular, coagindo a natureza das coisas. Suas façanhas mereceriam resposta exemplar de Teseu, o famoso herói do Labirinto, que viria submetê-lo a castigo semelhante, proporcional ao que praticara, transformado que foi de juiz em réu, cumprindo a pena que idealizara.

Este mito traz reflexões quanto ao dia a dia social de quem age movido por atitudes individuais no arrepio do direito das gentes, impedindo a defesa dos acusados.  

Na mitologia, Procusto usou um mesmo leito para colocar vítimas, cortando ou espichando corpos, face da medida a elas imposta, no uso da força bruta pecaminosa.

Quantos querem, pois, sujeitar os demais perante as dimensões particulares, a fim de prevenir concorrências e achatar diferenças, causa primeira da igualdade na diversidade, presas da intolerância e do atraso ético?! Procusto ainda vive vagando nos plantões dos calabouços, por isso se deseja de bom grado, para tudo, a convenção dos honestos, através do infinito valor da Verdade universal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário