sexta-feira, 3 de março de 2023

As malhas das recordações


Vezes sem conta, vemo-nos a braços com pensamentos insistentes que dominam a tela mental senhores absolutos de uma razão desconhecida, poderosa. Trazem fardos enormes do passado e os depositam no quarto da memória. Vindos de tudo que fora canto onde aconteceram, as histórias, milhares, milhões dos momentos deixados lá atrás, chegam nos blocos imensos de presenças quais entes que chafurdam o presente, forçando avaliações tardias, exames de consciência e pudor. Persistem de um tempo ora inexistente; falam, dão esparros, gritos bem na nossa cara, instrutores de tempos mortos, quiséramos, nos filmes e filmes, fitas soltas, cartuxos, compêndios amarelados, que circulam na atualidade. Descem a detalhes que nunca imagináramos. Esfregam com gosto a roupa suja largada naqueles relentos de antigamente, que pensávamos inexistentes. Quer-se fugir, esconder, tergiversar, no entanto carga de voltagem surpreendente vasculha a alma e impõe condições mínimas de libertação nessa alfândega voraz.

Eles vêm de vontade extrema de que não houvessem acontecido. Impõem condições de compromisso. Levantam custo quanto ao nosso aparente grau de compreensão, de inocência, já que fôramos ignorantes. Assim se aproxima espécie de seres encapuzados, carregando os pesados volumes da liberdade mal exercida, e que requerem mergulhos profundos em nós mesmos, ndagações de qual motivo quem influenciara quem naquilo tudo, pedras soltas dos edifícios que construímos na própria vida.

Imagino que venha ser desse jeito quando, lá adiante, encararmos o saldo das oportunidades vividas, das existências aparentemente fortuitas, ocasionais, que avaliávamos utilizar da Natureza. Nesse instante, só então, ver-nos-emos face a face com causas e consequências em um tribunal do que circulou as veias e resultou das escolhas que produzimos.

Com isto, lembro dos sinais que transportamos, dos pedidos de perdão, das incompreensões e desconhecimentos. Estudo essas leis do que fazemos parte ainda sem o devido respeito. Olho, de olhos nus, a paisagem daqueles lapsos insistentes, e quedo arrependido dos quantos gestos e dúvidas lancei na estrada, e que hoje regressam inevitáveis aos frutos de tudo isso que sumiu pelos céus da vontade e que imaginava fossem nuvens ilusórias de gastar o tempo. Lembro, nesta hora, do Ser Supremo, perfeição absoluta, a quem recorro do íntimo de minha pequenez, e oro contrito...

(Ilustração: Pieter Brueguel o Velho).

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