segunda-feira, 7 de novembro de 2022

E eu aqui na praça dando milho aos pombos


Nalgumas horas, acho de me lembrar de pessoas e situações que preenchem a minha história, onde vivo, com quem convivo, leio, escrevo, ouço, assisto, e seguem os verbos de formar as fases das recordações desse itinerário que justifica de estar aqui e contar em parcelas o roteiro percorrido.

Esse título, por exemplo, traz um tempo inteiro de momentos da nossa existência das vanguardas, dos festivais, militâncias, revivescências que fertilizam o solo úmido de saudade da nossa geração. Esperanças mil, ansiedades, contradições, lutas e viagens neste chão de tantas epopeias.

A cada conflito mais escombros / Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça /

Dando milho aos pombos, de composição de Zé Geraldo, que agora regressa aos meus pensamentos, a encontrar, de novo, aqueles acontecimentos vividos. Isto quando vemos que somos pequenos em relação às determinações do mistério, ele que tudo pode fazer acontecer, inclusive nada, qual diz Caetano Veloso, noutra composição, isto por meio dos personagens que formam o tempo das vestimentas humanas largadas aqui.

São tantos os nossos ídolos vagando soltos nas lembranças, que ferverão para sempre o caldeirão de todos nós, de todo instante e suas facetas multiplicadas de sentimentos, cicatrizes e condições, gravadas ferozes em nossos seres.

Em 1971, iríamos ao Rio de Janeiro, Tiago Araripe, José Esmeraldo Gonçalves, Pedro Ernesto Alencar e eu. Havíamos estado alguns dias no Festival de Inverno de Ouro Preto, onde nos reuníramos. Daí, Rio de Janeiro alguns dias. Nesse período, conhecemos o compositor Sérgio Ricardo, em um show no Teatro Opinião. Ele sendo outro dos músicos de nossa admiração, e que ocasionara, em um dos festivais da época, dada sua composição Beto bom de bola, o incidente de haver causado reação negativa do público, aficionado às músicas de protesto, em moda e adoção, a rejeitar o conteúdo da letra. Por isso, vaiou com extrema intensidade, em quase o teatro inteiro. Sérgio Ricardo perderia a paciência e, em revide, jogaria o violão contra a plateia efurecida, abandonando o palco em seguida.

Daí, o acontecido ganhou as manchetes dos jornais cariocas. Notícias Populares, sensacionalista e apelativo, registrou aquela atitude intempestiva numa frase: VIOLADA NA MULTIDÃO, e que ficaria consagrada e analisada nos anos posteriores tal modelo de apelação da mídia, que recorre a quase tudo na intenção de cativar sua clientela.

3 comentários:

  1. Bom texto, que adiciona algo valioso às minhas lembranças.
    Importante a recordação do show de Sérgio Ricardo no Rio.
    Forte abraço.

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  2. Boa lembrança, Emerson. Assim como o violão quebrado, esse título do Notícias Populares entrou para a história do jornalismo, foi um meme antes da era dos memes. Já o Sérgio Ricardo carregou essa marca que, acho, prejudicou sua carreira. Parabéns pela crônica que nos faz viajar de novo.

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  3. Onde se lê "edição" leia-se José Esmeraldo, rs, abs

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