sexta-feira, 4 de junho de 2021

O mistério do espelho


Quando eles, os colonizadores, chegaram aqui, entre as quinquilharias que trouxeram interpuseram os espelhos, isto a quem só se conhecia de olhar a si pelas águas calmas dos lagos, sem muita nitidez, porém que já dera origem a Narciso, o embriagado da própria sombra. É que o espelho inverte o nosso autoconhecimento daquilo que a gente pensava ser o nós mesmos, e vê, então, outro ser, o negativo de si. Causa isso, espelho, o negativo de si.

O mais surpreendente é que o espelho só inverte na horizontal, na vertical deixa tudo permanecer de cabeça no alto e pés no chão, enquanto um dos lados da face vira seu inverso, passando ao outro lado. Falei mistério, algo a ser compreendido, sobremodo quando cada lado da face corresponde a um dos lados de nosso cérebro, um dos hemisférios cerebrais, unidos apenas pelo corpo caloso, o que corresponde tão só a 25% da fronteira de entre esses dois hemisférios. A gente usa com predominância um dos dois lados, sendo o outro apenas seu assessor, na proporção de um para três.

E o espelho inverte esse ganho interior da consciência, dando impressão de que estamos do outro lado, porquanto a tal visão indica falsa imagem de si, o negativo da nossa face. Tal aspecto explica o motivo de virem os espelhos entre as fitas e bugigangas trazidas pelos colonizadores, mais sabidos do que tantos imaginam no decorrer da História. Conheciam do ofício de inverter o processo civilizatório das populações conquistadas, artimanha por demais esquisita e sofisticada, advinda do abismo dos séculos, de forças totalitárias e dominadoras.

Assim acontece desde longa data, atéi quando, lá um dia, Jesus propôs retomar o caminho de novas atitudes através dos segredos do Amor verdadeiro, do caminho do Coração, até chegar de volta ao Pai, razão das quantas perseguições às suas palavras, sobretudo nos grandes impérios. Uma longa história que traz a simplicidade original aos seres humanos.

(Ilustração: Narcissus, de Caravaggio).

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