terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Sem título


Mais à noite, quando todos dormem e o silêncio sai na busca de encontrar os solitários que vagam sem direção pelas ruas da cidade. Horas distantes até mesmo do tempo, quando ninguém encontrará ninguém que seja, nessas calçadas desertas. Só o bater de corações adormecidos lá no galpão dos apartamentos, e uma saudade imensa mantém o calor das paixões junto dos desavisados. Nessas horas, pois, há música pelo ar, acordes leves de blues, toques dolentes de pianos, e vozes suaves invadem a escuridão. Os estirões dos trompetes cadenciam a ausência forte das vivalmas no firmamento. Nisso, bem ali tudo acontece, qual jamais antes. 

Foram as tantas noites assim que construíram os pilares da Eternidade. Pessoas que deslizavam nos vultos das sombras e decidiram que devessem continuar para sempre com as horas, nas páginas acesas do momento. Criaram ficções de lugares e cenas onde pudessem acontecer os mistérios que hoje perlustram o senso dos vagabundos soltos em horas mortas. Reconstruíram de desejo a vontade incontida de achar alguém que lhes pudessem escutar na mesma linguagem, que nasciam dessas ocasiões inevitáveis. Aprenderam pelo amor da solidão a se lançar ao mar da sorte quais perdidos fossem de portos inexistentes.

Daí quantas vezes regressam fragmentos daqueles apegos dos turnos apagados na memória, porém que nunca esquecem reviver a saudades escondidas sob o manto concreto do passado que sobrevive aos escombros. Chamas de outras fogueiras apenas aguardam novas chances de gritar de dentro do peito e dizer que resistem a tudo. Desafiam na música, nos livros, nas flores, nas paixões... Acordes submersos daqueles sonhos antigos hoje voltam abertos ao Infinito, tais aprendizes do amor que viveu nos sentimentos esquecidos.

Elas são nítidas presenças que andam lado a lado com a gente nessas viagens internas que o coração realiza, nas excursões das noites, no entanto que as dominam, esses andarilhos dos céus entre estrelas e naves de aventuras errantes. Lembro a mim, umas muitas vezes, cruzando a ponte que divide o instante e a percepção; ali vejo cores e luzes que formam a existência e os mundos guardados nos refolhos do ser que ora somos. 


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