Nele, pois, navegamos dias e dias. Surpresas dos tempos que já se foram, carregando de nós os momentos, frágeis criaturas do Infinito que somos hoje. Tangemos as velas do próprio barco rumo ao depois das horas que somem no abismo do intransponível, quais tripulantes do tempo que esvaem no horizonte. Sacudimos os instrumentos de viver, equilibramos sonhos e dosamos o destino. Aprendizes da condição atual, submissos ao desconhecido, erguemos olhos às águas e esperamos existir para sempre nesse movimento das ondas impacientes.
Reunimos, assim, pedaços do passado e formamos ilhas de solidão,
dividindo com pessoas e objetos as emoções sucessivas diluídas no abstrato. Sem
quaisquer intervalos, remamos no mar das saudades e lembranças, rescaldos de
tantas vivências que formam o que nos imaginamos ser, a gente na gente mesma.
Peças que vêm à praia nos sargaços do que fomos, e gritam aquilo que ora
vivemos, brados intensos das relíquias abandonadas de náufragos trazidos aos
rochedos da vista interior. Quantas e tantas recordações que nessa ocasião ferem
a alma de arrependimento do nunca mais poder reviver o que antes foi.
Bem isto, fragmentos de histórias, experiências,
contradições, amores, que tudo somado dá nisso que transportamos vidas e vidas,
arquivos esquisitos de tempos antigos, comandantes de universo à parte que aqui
carregamos conosco em forma de imagens, músicas, festas, viagens, ausências,
livros, filmes, amigos, farnéis de lutas, esperanças e anseios entranhados em
nós feitos feras indomáveis.
Isto do ser das águas deste mar imenso e ao mesmo tempo
sustentáculo de resistir a qualquer custo aos fatores do desaparecimento. Máquinas
de contar as aventuras do passado ao presente, deslizamos a vontade livre pelas
ondas de certezas impossíveis, fieis buscadores de conchas entre os farrapos da
ilusão. Conquanto súditos desse reino invisível, alimentamos de perguntas o
vento que, morno, sopra segredos em nossos ouvidos. Quando, afinal, tocaremos o
reino definitivo dessas existências só de longe iremos saber, vez que haveremos
de esgotar, de tudo, o instinto de sobreviver, enfim, às nuvens transitórias da
mais fria realidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário